Vivi, em 2007, a experiência de fazer meu próprio Caminho de Santiago no Brasil. Dez anos antes, recebia o Prêmio Nobel de Literatura, a escritora Doris Lessing, por quem me deslumbrei ao ler, em entrevista ao Jornal do Brasil: “a solidão é um grande luxo”. Ao sair de uma árdua experiência profissional e pessoal, escolhi o luxuoso prazer de ficar só com meus inúmeros amigos interiores, um alento que admito existir na misantropia voluntária a que, frequentemente me submeto. Drummond, misantropo, tímido e escorpiano, como eu, dizia: “a solidão gera inúmeros companheiros em mim mesmo”.
Escolhi uma cidade que, embora frenética e barulhenta, me fazia há algum tempo ouvir os sons do meu silêncio. Uma metrópole trituradora, moedora, mas que havia me feito, há alguns anos, descobrir a inteireza do meu ser: São Paulo, lugar perfeito para o meu exílio intelectual. Rasguei meu cartão de visitas e fui tentar uma vaga na USP. Aprovada em segundo lugar na seleção de uma pós-graduação na Escola de Comunicações e Artes (ECA), voltei a calçar tênis, usar mochila nas costas e passei a aguardar, resignadamente, durante uma hora ou mais, o trajeto do ônibus que, bravio, atravessava a tempestade de carros de uma cidade, cuja quantidade de automóveis correspondia ao total da população do meu Estado.
O frio e a cinza paulista faziam afagos na minha solidão necessária - uma velha conhecida minha das fases de preguiça social e da infância franzina em que tantas vezes me sentia como uma mistura de Quasímodo e Dom Casmurro. Durante muitos finais de semana, as únicas vozes no apartamento em que vivia eram do rádio e da televisão, que faziam companhia para a voz estridente dos meus pensamentos. Li, compulsivamente, entusiadamente, Shopenhauer para combinar com o momento, alguns clássicos que adiei durante décadas, Foucault e Barthes, com os quais vivi um triângulo amoroso, além do tórrido caso de amor que mantenho até hoje com as descobertas que a USP me proporcionou: Jesús Martin-Barbero, Nestor Cancline, Clifford Geertz, Stuar Hall, Manuel Castells, Jorge Huego e os outros estudiosos da Educomunicação. Cafés, livros, filmes e terapia me bastavam. Como na fórmula barthesiana: “nada de poder, um pouquinho de saber e o máximo possível de sabor”.
Cheguei até a comprar um girassol, batizado por mim de Soledade. Regava e conversava com Soledade que, insistentemente, buscava nutrir-se dos mínimos raios de sol, entre as frestas dos prédios aglomerados diante da minha sacada. Meses se passavam e ela sobrevivia, na incrível instabilidade climática paulistana. No inverno, Soledade não tinha mais forças e morreu. Voltei para São Luís e quase dois anos depois, só agora o sol começa a brilhar. Agora, faço desta a minha homenagem a Soledade, que me ensinou a insistir em viver, mesmo quando aquilo que nos nutre no momento seja insuficiente.
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