quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Feliz Ano Novo


Feliz Ano Novo aos que tiveram perdas no ano velho e ainda assim recolhem pedras em suas aljavas. Aos colecionadores de afetos que jamais permitem que suas lagartas se transformem em borboletas.


Feliz Ano Novo aos que asfixiam a criança dentro de si e ao que se fantasiam de palhaço para camuflar tristezas. Aos que gastam a vida contando dinheiro, sempre em débito com o amor. Aos que acumulam bens e desperdiçam virtudes, juntam poder e semeiam mágoas, galgam a fama e pisam em sentimentos.

Feliz Ano Novo aos sonegadores de esperanças e aos que crêem apenas nos valores da Bolsa. Aos mancos de bondade, cegos de utopias, ébrios de ambições e medrosos perante a ousadia de viver. Aos que têm asas e não sabem voar, são águias e ciscam como galinhas, guardam em si um tigre e miam como gatos.

Feliz Ano Novo aos que exibem no pedestal de sua mente o próprio corpo, jejuam por razões estéticas e mendigam aos olhos alheios a moeda falsa da admiração convencional. Aos que ficam inebriados diante da paisagem televisiva e, como na canção do Chico Buarque, Carolina, vêem o mundo passar na janela eletrônica.

Feliz Ano Novo aos que cercam suas almas com arame farpado, abrem com foices seus caminhos na vida e, ainda assim, não sabem que rumo tomar. Aos que traçam labirintos em seus mapas imaginários, enfeitam a vida com buquês de impropérios e rasgam o ventre da água com os seixos adormecidos no leito de seus pesadelos.

Feliz Ano Novo a todos os infelizes que fazem de suas vidas luas minguantes e se vestem com escafandro de seus temores, afogados no sal de um oceano ressecado.
Novos lhes sejam o ano, a vida e o espírito, revertidos e revestidos de ensolaradas esperanças.
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Texto de autoria de Frei Betto, Carlos Alberto Libânio Christo, frade dominicano e escritor.

quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Um Natal aBUNDAnte para todos!



O meu irreverente Feliz Natal, em repúdio à figura obesa de um ilusório papai noel, símbolo de fartura na mesa de poucos e distante da realidade esquálida de milhões de pessoas.

Faça alguém FELIZ neste NATALl!
São os votos de Flávia de Melo


terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Terra do Nunca



A vida, por vezes, parece ser produto da astúcia de um genial roteirista. Em 2009, morreu Michael Jackson, o pop star que rejeitava a própria raça e que passou a vida refém de uma concepção fantasiosa de si mesmo e da existência. O cantor tinha um rancho chamado NeverLand, Terra do Nunca, fazia tratamentos para embranquecer a pele, usava máscaras para não se contaminar com germes e, de tanto, evitar a dor, morreu de uma dose letal, exatamente, de anestésicos.
Escamotear sofrimentos e desconfortos, não investigar as origens de certas atitudes ou sentimentos é um artifício da pós-modernidade que, com suas fartas ofertas, expõe nas prateleiras: escovas definitivas ou lentes coloridas para quem não se agrada de seus genes, Prozac e outros antidepressivos da indústria farmacêutica da alegria, cirurgias para redução do estômago em obesos, cuja compulsão alimentar ocorre nos neurotransmissores, Viagra e similares para viabilizar o sexo, vibradores, bonecas infláveis e uma quinquilharia de objetos, práticas e comportamentos capazes de evitar, a todo custo, os problemas, as tristezas e dificuldades de toda origem. Mas os milagres da contemporaneidade, ao contrário do que anunciam, com suas facilidades e soluções em modo express, não têm transformado o mundo em Terra Prometida. Os transtornos depressivos já ultrapassam a marca de 121 milhões de pessoas no planeta e se constituem na quarta maior causa de mortes, em consequência deles.
Em 2007, em São Paulo, no seminário Mutações: novas configurações do mundo, durante a palestra Depressão e Imagem no Novo Mundo, a psicanalista Maria Rita Kehl considerou: “A sociedade do espetáculo é aparentemente antidepressiva, com seus gozos, festas e sexualidade. Ela nos promete um gozo contínuo, mas a festa apresentada não existe”. E, com habitual brilhantismo, enfatizou: “é a subjetividade que produz significado para a vida”.


No entanto, há quem prefira manter-se encarcerado em suas próprias versões equivocadas da existência e de si mesmo, em que a vida precisa parecer um parque de diversões, uma ilha da fantasia (que tal a ilha de Caras?), como se fosse uma grande festa. De preferência uma rave, com coreografias robóticas, movidas a Ectasy para fabricar, artificialmente, o afeto. E, ano após ano, prosseguem embriagando-se de suas próprias mentiras, consolidando o projeto fraudulento de suas personalidades. Monstruosas criaturas, essas que resultam da simbiose entre Pinóquio e Peter Pan!





segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Generosidade: artigo de luxo na lista de Natal



O argumento dos indiferentes diante da generosidade que reaparece como tema, todos os anos, durante a época natalina é que, parte das boas práticas decorre da necessidade que os donos de bolsos mais estufados têm de diminuir o peso de suas consciências. Dois mil e nove anos depois, a mais famosa data da cultura cristã é celebrada pelo mundo neoliberal, dentro da lógica consumista em que, no Brasil, por exemplo, o aniversariante parece ter sido preterido e o peru, o principal homenageado.
A escandalosa deturpação dos valores defendidos por Jesus vai desde a suntuosidade das modernas catedrais, os shopping centers, segundo Frei Betto, onde endinheirados são ungidos por anjos-vendedores, tratados como se estivessem em um paraíso e aqueles que não têm como gastar estão condenados a arder nas labaredas do Inferno. Nas lojas chiques do shopping Cidade Jardim, em São Paulo, um vestidinho Channel, conforme conta Danuza Leão em seu último livro, custa 8.500 reais, um blazer, 12 mil reais, e o preço do ingresso de um cinema, com direito a garçon servindo vinho ou champagne, a bagatela de 50 reais!



O que não custa é lembrar que o filho de José e Maria nasceu numa manjedoura, espécie de berço de palha, em um forte simbolismo de humildade e despojamento material. Contraditoriamente, o maior símbolo do Natal capitalista é a ilusória figura obesa de Papai Noel, com seu trenó abarrotado de objetos materiais, embrulhados em papel para impressionar. E o cenário alegórico segue com corações gélidos que preferem aquecer suas ceias para o ritual do pecado da gula, em mesas fartas e vazias de espiritualidade. Alguém, por acaso, já ouviu falar da sensação de estranha tristeza que algumas pessoas sentem no período natalino?
Bem antes da popularização de conceitos como Responsabilidade Social, Inclusão, Terceiro Setor e outros, o sociólogo Herbert de Sousa, o Betinho, foi o primeiro a converter solidariedade em política social e a rejeitar a noção de caridade como pieguice, com o seu Natal sem Fome. Uma minoria segue o exemplo de seres humanos extraordinários como Betinho, Jesus, Madre Teresa, Chico Xavier e tantos iluminados. Preferem arrotar suas ilusões materialistas, tomando sal de frutas para aliviar os excessos que, por mais paradoxal que pareça, decorrem de seus vazios.
A generosidade exige como pré-requisito a virtude incondicional de amar. E amar, convenhamos, não é tarefa das mais fáceis. Só quem se emociona diante de olhos marejados de fome ou de dor consegue realizar, sem culpa, o exercício fundamental do Bem. Não basta desejar a maior ambição do ser humano na Terra, a felicidade. É preciso fazer alguém feliz. FELIZ NATAL!


sexta-feira, 18 de dezembro de 2009



Dez mil ideias em 2.010!

domingo, 6 de dezembro de 2009

Poesia no chão




As vitrines de Chico Buarque é a trilha sonora que embala esse domingo úmido em mim. Uma delicada melodia emotiva contrasta com os gritos enlouquecidos dos aficcionados por futebol, esporte pelo qual nutro uma indiferença siberiana. Aconchegada a mim mesma, ouço apenas a música no meu interior: “...passas sem ver teu vigia, catando a poesia que entornas no chão”.
Lembro de um poema infantil, tosco que cheguei a rascunhar no ano que chamei de Mil novecentos e noventa e triste! A alma, dilacerada como numa letra de tango, escrevia: “reciclando desejos, intenções... do meu lixo interior ao papel da poesia”. Agora a reflexão inversa questiona o porquê de tantas possibilidades preciosas serem desperdiçadas, menciona os alquimistas fracassados que, ao invés de transformarem metais em ouro, fazem diamantes virarem pedaços de vidro.
Prefiro os desertos que florescem, as lágrimas que salgam a boca, que mais tarde sorri. Sou regida pelo signo da mutação, da transformação. Sou jornalista por paixão e convicção de acreditar numa folha em branco que, aos poucos é preenchida por caracteres, capaz de influir em decisões e até mudar destinos. A mim fascinam as tintas que dão vida à tela vazia e provocam fantásticas experiências estéticas. Percebo na dádiva de viver o imperativo da renovação, desde a pulsação do oxigênio e das veias que nutrem o organismo incessantemente. Sou adepta da ressignificação dos acontecimentos que não se aprisionam em um ponto final, mas que descortinam novos capítulos, como na fábula erotizada de As Mil e Uma Noites.
Incomoda-me o fracasso dos que não foram, entristece-me a morte do que não chegou a nascer, as cachoeiras que deixamos secar, a poesia que tantas vezes jogamos no chão e o amor que resultou inútil, como no lamento drummondiano. Os gritos lá fora aumentam. O jogo acaba. Dentro mim, Chico continua cantando: “Te avisei que a cidade era um vão, dá tua mão, olha pra mim, não faz assim, não vai lá, não...”