sexta-feira, 6 de setembro de 2013

Rádio Estante


domingo, 11 de agosto de 2013

Hálito das Ruas

 
 
"...Me extravio
na Rua da Estrela, escorrego
no Beco do Precipício.
Me lavo no Ribeirão.
Mijo na Fonte do Bispo.
Na Rua do Sol me cego,
na Rua da Paz me revolto
na do Comércio me nego
mas na das Hortas floresço;
na dos Prazeres soluço
na da Palma me conheço
na do Alecrim me perfumo
na da Saúde adoeço
na do Desterro me encontro
na da Alegria me perco
na Rua do Carmo berro
na Rua da Direita erro
e na Aurora adormeço".
 
Trecho de POEMA SUJO, de Ferreira Gullar

quinta-feira, 8 de agosto de 2013

Cidade presa ao passado



"A cidade foi possuída 
pelo tempo 
está grávida 
de seu passado 
e dependendo de nós
poderá parir um demônio 
ou um anjo"

(José Chagas)

terça-feira, 30 de julho de 2013

Janelas da Vida

A exuberância de uma natureza singular
Praia da Raposa, julho de 2013






quarta-feira, 24 de julho de 2013

Olho de Texto


Em tempos de tags, twitters, banners e posts chegará uma época em que escrever assim, de um modo afeito às sentimentalidades, irá tornar-se algo tão nostálgico quanto as máquinas de escrever, as fitas cassetes e os filmes das câmeras fotográficas? Oxalá os profetas do Admirável Mundo Novo errem suas previsões apocalípticas sobre o fim da escrita, agora vestida da purpurina das telas em LCD, muito além do papel da Galáxia de Gutemberg!

Pois bem, prossigo na aventura destemida da escrita. Há exatos 10 anos, aprendi a reservar tempo e atenção a mim mesma. Até então, nunca havia sido muito amiga do espelho, costumando passar horas mergulhadas em meus devaneios, durante longas incursões interiores. Não dava a mínima ao exterior. Tímida e míope, sequer lembrava do meu rosto de avestruz. Foi então que, por certa influência, passei a cuidar melhor de mim e a me presentear com determinados mimos.

Atualmente, estou me proporcionando um desses raros prazeres que fogem às classificações rasteiras do instinto. Há anos nutro uma paixão platônica pela arte de fotografar, dessas de comprar livros de Sebastião Salgado, reproduções de Henri Cartier Bresson, revistas e outras referências à fotografia. Até a sala do meu apartamento denuncia o flerte, com uma imagem espetacular, em preto e branco, da fotógrafa alemã Alice Brill, que fugiu do nazismo para o Brasil, quando o pai foi morto em um campo de concentração. 


Agora resolvi consumar a paixão e fazer um curso. Diafragmas, Obturadores, ISOs têm sido um feliz exercício de aprendizagem. A imagem sempre foi meu objeto de estudo, desde a graduação, quando escrevi sobre a “fascinante relação entre a imagem e o texto no telejornalismo”, um título mais poético do que científico para uma monografia de conclusão de curso universitário.   

O fascínio pela foto começa desde a etimologia da palavra fotografia, que significa escrever com a luz, quase trecho de um poema. Eu, que já escrevi com sombras, com raios, tempestades, céu nublado ou ensolarado, estou completamente extasiada com as infinitas possibilidades de dizer sem palavras. Para quem passou a metade de sua vida escrevendo para sobreviver, a fotografia é a própria insubordinação aos ditames de um discurso. Ela se espraia pelos amplos significados da subjetividade, podendo afirmar aquilo que não foi dito e nunca será por texto algum. Não foi à toa que o espectro fotográfico instigou ampla parcela da intelectualidade, a exemplo de Barthes, com sua A Câmara Clara e Philippe Dubois, que desvendou um ponto focal, ao mencionar que “a foto aparece, no sentido forte, como uma fatia, única e singular de espaço-tempo, literalmente cortada ao vivo”.

A minha visceralidade para escrever permanece inalterada. Mas, agora, completamente enamorada pela arte de captar imagens em instantes únicos, buscadas com a precisão de quem deixa escapar um jeito de olhar próprio, de quem fotografa a imensidão e a diversidade da existência. Experiências assim devolvem o sentido original da constatação de Fernando Pessoa, a de que toda arte é uma confissão de que a vida não basta.


Obs: a foto foi feita por mim, especialmente para esta postagem. A crônica é dedicada aos meus colegas e ao professor e fotógrafo, Zé Luiz Cavalcanti, do Curso de Fotografia do SENAC, que transcendeu a técnica e ensinou bem mais do que ajustar o obturador, o diafragma, o ISO, destacando o  que pode existir além de uma imagem.  Valeu!



terça-feira, 23 de julho de 2013

Quarta-feira de Luz


quarta-feira, 26 de junho de 2013

Brasil e a mídia desmedida



Desde o meu eufórico ingresso no curso de Jornalismo, em 1987, jamais pensei em assistir a cenas tão reveladoras do poderio de uma mobilização articulada fora dos grandes conglomerados de mídia. A constatação parece óbvia e já chega caduca, numa época em que a informação possui um tempo de sobrevida menor que o de uma muriçoca. A cada segundo, surgem bilhões de novos posts, links e atualizações, em mutações infinitas.

Para quem mergulhou nos primeiros estudos sobre o assunto, a denominação “Comunicação Alternativa” parecia um termo meio woodstockiano, meio hippie. E fazia referência às possíveis brechas ou formas alternativas de comunicação no embate diante da opressão midiática promovida pela Ditadura Militar, que usava ostensivamente os veículos para propagar seus ideais e a tal Integração Nacional. Hoje, quem diria, qualquer cidadão pode reclamar, bradar, protestar, defender, enfim, comunicar sem a necessidade daqueles que eram chamados, nos velhos anos 70, de meios de comunicação de massa. Na macarronada da Internet, todos somos os protagonistas dos nossos próprios conteúdos, acrescidos do milagre da multiplicação dos compartilhamentos. 

O modelo vertical e rígido da Escola de Frankfurt tropeçou durante a marcha evolutiva da humanidade. Nos promissores dias atuais, vivemos as possibilidades oferecidas em plena era da horizontalização da comunicação. Não há mais, portanto, os meios de comunicação para as massas. As cenas da maior manifestação popular da história recente do Brasil evidenciam as massas exercendo seu amplo poder de comunicação. Os grandes latifúndios da informação rendem-se diante dos pequenos proprietários da informação. A pauta é do povo!

Há controvérsias em torno do tema. O debate exige a observação de outros ângulos, inclusive dos aspectos que vão além do deslumbramento com as conexões dos internautas. No entanto, com a posse deste meu pequeno lote de comunicação, permito-me exibir todo o entusiasmo diante do que nunca imaginei presenciar. Ver o “bom moço” William Bonner, emburrado, cobrindo em Fortaleza, o jogo no Brasil, na Copa das Confederações, quando os holofotes do País estavam voltados para a multidão nas ruas provocou-me um risinho de satisfação. A mudança radical no 'espelho' do Jornal Nacional, em um esforçado contorcionismo editorial, por uma cobertura imparcial, em meio aos protestos de FORA GLOBO, foi outra inusitada paisagem aos olhos atentos de quem estuda a comunicação. Aos que ainda refutam tais argumentos, a derrota da PEC 37 foi também uma vitória da opinião pública, durante tanto tempo tida como apenas uma opinião publicada pela mídia. Senão, o que fariam os senhores deputados, nem sempre bem intencionados, votarem, de maneira tão avassaladora, contra a Proposta de Emenda Constitucional?

Os chamados “Padrão Global” ou “Padrão Fifa” diluíram-se em meio à indignação popular por um modelo universal de qualidade de vida e de democratização do acesso à informação. A constatação é elementar, meus caros: não há democracia sem comunicação livre. Nenhuma nação do mundo consegue efetivar o princípio da igualdade em dignidade e direitos, sem a fiscalização do cumprimento das normas constitucionais, sem as denúncias feitas pelos meios de comunicação e pela capilaridade da informação que agora escoa pelas redes sociais. A mais forte manifestação nas ruas do País transcendeu as bandeiras e banners defendidos no ambiente virtual e ganhou as ruas. E o melhor dos meus marginais preferidos, César Teixeira, já havia profetizado: “Com as bandeiras nas ruas, ninguém pode nos calar”








quinta-feira, 20 de junho de 2013

Pelo direito à vida


terça-feira, 18 de junho de 2013

Ordem e Protesto


sexta-feira, 7 de junho de 2013

Aluísio Azevedo sem pudor



Há 100 anos, o escritor maranhense, Aluísio Azevedo, encerrava o último capítulo de sua vida carnal. A efeméride deixa brechas para outros olhares sobre a obra O Cortiço, fundamental para a compreensão do Brasil na virada do século XIX. Aluísio chuta o balde do lirismo presente no Romantismo, de então, e exibe, despudoradamente, seu Naturalismo/Realismo, sem cortes. 

O livro, que eriçou os sonhos eróticos da puberdade de muitas gerações de estudantes brasileiros, permanece teso na Literatura Brasileira como o precursor das nossas melhores narrativas sexuais. Diante dele, os recentes bests sellers da trilogia 50 Tons (de Cinza, mais Escuros e de Liberdade), de E.L. James, tornam-se um amontoado de clichês e baboseiras ridículas - iguais à maioria dos produtos de sensacionalismo sexual das prateleiras da modernidade. 
   
O Cortiço deixa à mostra certas permissividades tão à vontade na frenética miscigenação cultural do país. Quem se escandaliza diante da descrição de cenas tórridas protagonizadas por Rita Baiana ou diante do lesbianismo neófito de Pombinha, talvez não conheça as partes íntimas da história dos Trópicos dos Pecados, denominação do melhor estudo sobre o tema, feito pelo pesquisador e professor de História da Universidade Federal Fluminense, Ronaldo Vainfas. A institucionalização da safadeza nacional teria começado a partir da própria origem do nome “Brasil”, não apenas por causa do pau mais famoso do país, mas também por obra do diabo que teria vindo morar aqui na América do Sul, viajando nos porões dos navios ibéricos. O padre Manoel da Nóbrega, um dos primeiros jesuítas a aportar aqui, julgava ser a colônia portuguesa quase uma “Sodoma” de pecadores, adúlteros, incestuosos, maníacos e tarados de toda espécie.


Aluísio, considerado pela pesquisadora Lúcia Miguel-Pereira como um dos raros romancistas de massas na Literatura Brasileira, leva a cabo o Realismo e escreve de modo visceral, devassando os segredos de alcova, trancados a sete chaves, numa época de puritanismo, saias compridas até o chão e de muitas cobertas. O leitor torna-se, então, um grande voyeur. Da nova geração de cineastas brasileiros, somente Cláudio Assis, diretor de Amarelo Manga, produziria um obra socando tão forte no estômago. Mas o irmão de Arthur Azevedo vai além: põe o dedo nas feridas sociais e, ao mesmo tempo, seduz por meio de uma escrita impecavelmente arrebatadora, a exemplo do trecho descritivo do cenário:

"Sentia-se naquela fermentação sanguínea, naquela gula viçosa de plantas rasteiras ...o prazer animal de existir,... E naquela terra, ...naquela umidade quente e lodosa, começou a minhoca a esfervilhar, a crescer,... uma coisa viva, uma geração que parecia espontânea,... multiplicar-se como larvas no esterco."

Os flagrantes eróticos de O Cortiço certificam a constatação de Otto Maria Carpeaux, de que o aparecimento da literatura no mundo representa uma “expressão total da natureza humana”. O impulso sexual, tão obsessivamente apontado por Freud como a origem de todas as questões de nossa espécie, está presente até mesmo nas atividades que deveriam ter por finalidade a controvertida sublimação: 

“E o Firmo, bêbedo de volúpia, enroscava-se todo ao violão; e o violão e ele gemiam com o mesmo gosto, grunhindo, ganindo, miando, com todas as vozes de bichos sensuais, num desespero de luxúria que penetrava até ao tutano com línguas finíssimas de cobra”

O erotismo em Aluísio Azevedo flui em prosa natural, sem rodeios puritanos, ruborizando o conservadorismo da época, em descrição que permanece contemporânea mesmo após dois séculos. Em tempos atuais, somente poucos se atreveriam a incursionar pela literatura erótica, de modo tão cru, sem abeirar-se da banalização sexual, a exemplo do cubano Juan Pedro Gutiérrez. Basta observar:

“E metia-lhe a língua tesa pela boca e pelas orelhas, e esmagava-lhe os olhos debaixo dos seus beijos lubrificados de espuma, e mordia-lhe o lóbulo dos ombros, e agarrava-lhe convulsivamente o cabelo, como se quisesse arrancá-lo aos punhados"

Gilberto Freyre já dizia que “a maior delícia do brasileiro é conversar safadeza”. A melhor safadeza literária já produzida, nos últimos séculos, continua sendo O Cortiço.






terça-feira, 28 de maio de 2013

Aluísio Azevedo em cartaz


quinta-feira, 23 de maio de 2013

Palavrar




Sim. Já me posicionei em frente ao teclado do computador, como se estivesse diante de um piano, com a pretensa e solene missão de compor melodias elevadas e supostas obras-primas do gênero. E também já percebi no ofício de escrever as mesmas exigências e habilidades necessárias a quem trabalha com uma enxada na lavoura. Não foi por acaso que a expressão “da lavra do autor” coube tão bem nas descrições de obras literárias. Ser compositor e, ao mesmo tempo, lavrador, é a síntese de quem carrega consigo a sina de escrever para viver. É preciso conciliar delicadeza e força, elementos vitais presentes tanto nas composições clássicas quanto na atividade de lavrar a terra. O clima, o solo e certos adubos também ajudam. É preciso paciência e dedicação diária. A escrita - assim como as frutas e verduras - que amadurece antes do tempo certo ou sob efeito artificial de certos fertilizantes, não tem sabor.

Eu escolhi para a minha vida esse caminho de palavras pedregosas, de pa...larvas que se arrastam até transmutarem-se em borbo...letras. Estou agora diante de mais uma peleja com as palavras, em busca de persuadi-las, enlaça-las como diria o poeta maior. No intervalo deste trabalho, descanso carregando mais palavras. Machado de Assis já dizia: “Essa sarna de escrever, quando pega aos 50 anos, não despega mais”. Mas desde os 8 anos eu lembro de já cometer versos açucarados para minha mãe. Aos 18, decidi que ganharia o pão de cada dia às custas das palavras surradas do labor jornalístico. O que será de mim aos 50 anos? Até lá, já terei saído da gaveta e publicado meu livro?

Penso nos meus poetas e romancistas brasileiros preferidos, funcionários públicos que também dublavam a rotina dos textos engravatados de suas repartições com escritas soltas, livres, prazerosas e geniais. Não deve haver, na Literatura Universal, escritor que promova o consenso definitivo entre uma narração compenetrada e deslavadamente irônica, como o Bruxo do Cosme Velho. Ninguém como Machado de Assis jamais descreveu, com tanta sutileza, tanto cinismo, as razões funcionalistas para a escolha de uma mulher feia, destas que não atrapalham a dedicação do sujeito ao ofício:   

"Simão Bacamarte explicou-lhe que D. Evarista reunia condições fisiológicas e anatômicas de primeira ordem, digeria com facilidade, dormia regularmente, tinha bom pulso, e excelente vista; estava assim apta para dar-lhe filhos robustos, sãos e inteligentes. Se além dessas prendas,  - únicas dignas da preocupação de um sábio,  -  D. Evarista era mal composta de feições, longe de lastimá-lo, agradecia-o a Deus, porquanto não corria o risco de preterir os interesses da ciência na contemplação exclusiva, miúda e vulgar da consorte". (O Alienista)

Eis o estilo definitivo, desprovido de adiposidades semânticas e penduricalhos linguísticos. Diante destes mitos das Letras, é preciso respeitar o ofício de escrever. É necessário perseguir a boa forma física das palavras e evitar que o texto se transforme numa "piriguete" enfeitada, vestindo roupas brilhantes e banalizando a elegância de narrar ou opinar. E já que o tema pede, Graciliano Ramos aconselha:

"Deve-se escrever da mesma maneira como as lavadeiras lá de Alagoas fazem seu ofício. Elas começam com uma primeira lavada, molham a roupa suja na beira da lagoa ou do riacho, torcem o pano, molham-no novamente, voltam a torcer. Colocam o anil, ensaboam e torcem uma, duas vezes. Depois enxáguam, dão mais uma molhada, agora jogando a água com a mão. Batem o pano na laje ou na pedra limpa, e dão mais uma torcida e mais outra, torcem até não pingar do pano uma só gota. Somente depois de feito tudo isso é que elas dependuram a roupa lavada na corda ou no varal, para secar. Pois quem se mete a escrever devia fazer a mesma coisa. A palavra não foi feita para enfeitar, brilhar como ouro falso; a palavra foi feita para dizer."


domingo, 5 de maio de 2013

A dança do meio-fio


Uma pétala do Rosa em sua obra-prima, Grande Sertão Veredas, provoca ebulição nas palavras e sensações adormecidas dentro de mim: “O correr da vida embrulha tudo”. Regida pelo signo da mutação, sofro o assédio, com certa frequência, das várias metamorfoses que surgem ao longo dos bem vividos anos que me são presenteados. Gosto da chuva repentina, das rotas alteradas, das ondas que se levantam do fundo do oceano, afoitas, desafiadoras, rasgando a calmaria da superfície. No entanto, a poesia e os rompantes às vezes assustam, deixando espaço amplo para o inusitado em forma de soco. No som do carro escorre a voz rouca de tia Rita Lee, definindo meu trajeto: Mas sigo meu destino num yellow submarino. Acendo a luz que me conduz. E os deuses me convidam para dançar no meio fio”.
Os ciclos que compõem as marés da vida, vez por outra, aparecem sob a forma de vazante, com ausências e falências de diferentes matizes, necessárias ao depurar de toda sorte de excessos. A razão para as subtrações em nossa falsa auto-suficiência deve ter suas origens na necessidade de transcendência que trazemos na essência. É necessário sair de onde estamos durante algum tempo. É preciso flutuar, tirar os pés do chão, libertar as correntes que nos prendem, frequentemente, aos pesos que acumulamos nesta viagem aqui na Terra. É preciso aprender a dançar no meio-fio, aprender a viver com menos expectativas e até com menos recursos. É o exercitar de movimentos suaves, em espaço diminuto. Roger Garaudy, o qual conheci por meio das bruxas da Biodança, em sua obra Dançar a Vida, menciona a dança como símbolo do ato de viver, como parte integrante das respostas às questões fundamentais do homem contemporâneo e não apenas como uma arte mas, sobretudo, como um modo de viver.
Nesse jeito de dançar a vida as ansiedades não cabem. Ao contrário, o primeiro requisito para a dança é a fluidez, capacidade de se adaptar aos diferentes ritmos que a existência exige. Os perdulários não caminham, são arrastados por suas ambições, jamais satisfeitas. Os despojados bailam ao som de cada música executada pela Grande Orquestra Existencial.
Tenho sustos quando sou assaltada pela vida. Mas lá dentro, um riso de ironia me mostra como são necessárias, ainda que amargas, as perdas. Na próxima maré enchente, o que perdemos pode voltar com mais sabor e alegria. E por falar em alegria, o humor haverá de um dia ser incluído na lista das atitudes necessárias à redenção de uma humanidade doente.





sexta-feira, 3 de maio de 2013

Gay Talese por Geneton Moraes Neto



Aviso aos navegantes, especialmente jornalistas, iniciantes ou dinossauros: GLOBONEWS reexibe neste sábado,às 21:30, na Faixa Acervo, entrevista completa com um dos pais do Novo Jornalismo, o célebre Gay Talese. O que Talese diz vale por uma "aula de jornalismo". 


Por exemplo: confessa que não teria o menor interesse em entrevistar grandes astros do cinema, porque vivem repetindo o que assessores de imprensa lhes sopram. Dificilmente pronunciam alguma coisa relevante. Talese é daqueles que acreditam que a gente anônima pode ser - e é - dez vezes mais interessante que as chamadas "celebridades". Bingo. 

Basta ver a maioria das entrevistas com celebridades: em geral, são um desfile constrangedor de obviedades, insufladas por repórteres-vôlei. Ou seja: aqueles que vivem levantando a bola para o entrevistado. Trágico, trágico, trágico.

Talese fala do personagem de uma das primeiras reportagens que fez: ao transitar por uma rua de Nova York, ficou imaginando quem seria o homem que operava aqueles placares luminosos que anunciavam as notícias do dia. Teve a curiosidade de procurá-lo. Produziu uma reportagem interessante a partir de uma pauta original.

Idem com um dos clássicos do Novo Jornalismo: Talese escolheu como personagem uma figura anônima da redação - o redator de obituários, aquele sujeito que passava o tempo imaginando que frase de efeito poderia escreveria quando um grande nome morresse. 

O resultado do trabalho de Gay Talese é um perfil excepcional, um dos capítulos da coletânea "Fama e Anonimato".

Eis aí o enésimo exemplo de que não existe assunto desinteressante. O que existe é jornalista desinteressado.

É uma figura cem por cento nociva à profissão, porque transforma o Jornalismo num monumento à chatice.

O Jornalismo tinha tudo para ser vívido, interessante, curioso. É o que acontece quando retrata personagens como os que despertaram a curiosidade de Talese. Mas, na "vida real", é sufocado por burocratas que passam a vida "derrubando matéria" (ou seja: jogando no lixo da redação assuntos que, com toda certeza, interessariam ao público). 

Neste exato momento, às 11 horas da manhã do dia três de maio de 2013, em alguma redação, um sujeito com ar entediado acaba de decretar, com os olhos semi-cerrados: "Isso não é notícia. Isso não vale. A "concorrência" já deu"....

Assim caminha a humanidade.

Uma das mais belas pichações produzidas durante a rebelião de maio de 68 em Paris foi feita na parede de uma das mais tradicionais universidades francesas por um estudante provavelmente ingênuo : "E se a gente incendiasse a Sorbonne ?" - perguntava ele.

O jornalismo poderia melhorar se cada iniciante ( e cada dinossauro! ) refizesse todo dia, logo pela manhã, a pergunta ingênua que o pichador de 68 fez na parede da universidade : "E se a gente incendiasse o Jornalismo ?".

Em última instância, é o que o sr. Talese fez: de certa maneira, incendiou o jornalismo, com imaginação. 

Não existe outro combustível contra a mesmice, o tédio e a chatice do jornalismo burocrático.

Um Gay Talese aparece de cinquenta em cinquenta anos. Mas um jornalista que aposte na ousadia e na imaginação e não se deixe contaminar pelo tédio dos burocratas não é uma flor tão rara. 

Como diz aquele música bonita dos Rolling Stones, Angie: "Você não pode dizer que a gente nunca tentou".

Fica, então, o aviso: vale a pena ouvir o que Gay Talese tem a dizer sobre esta profissão estupenda e desgraçada, o tal do Jornalismo: reapresentação do DOSSIÊ GLOBONEWS neste sábado (4/5), às 21:30.

Texto: Geneton Moraes Neto

domingo, 24 de março de 2013

O papa, o papo e a midiabólica




Cotado como um dos favoritos para suceder Bento XVI, o cardeal brasileiro dom Odilo Scherer teve suas chances diminuídas, segundo o jornal italiano La Repubblica, após um discurso em que defendeu as finanças da Cúria Romana e elogiou a gestão do Banco do Vaticano, alvo de denúncias de lavagem de dinheiro e por, supostamente, servir de “paraíso fiscal” para transações ilegais. Logo após a eleição do cardeal argentino Jorge Mario Bergoglio, a Imprensa especializada comenta que será cobrada maior transparência ao agora papa Francisco sobre os escândalos financeiros envolvendo a principal instituição financeira da Igreja Católica.

A mídia, que em tempos passados limitava seu alcance às coberturas e transmissões da Missa do Galo ou na ocasião do atentado, em 1981, ao papa João Paulo II, definitivamente, alargou seu poderio e invadiu territórios antes tidos como sagrados e invioláveis. Da Idade das Trevas ao Iluminismo, chega-se ao escancarado Midiatismo. As especulações em torno da riqueza da Igreja e do gerenciamento duvidoso dos recursos oriundos de atividades das mesmas mãos que abençoam poderiam parecer mais uma artimanha de Satanás, se não fossem apenas um reflexo dos tempos de onipresença da Comunicação e de seus tentáculos midiáticos.

Sem dúvida, não há política sem discurso. Mas a secular arte da retórica na moderna arena eleitoral ganha proporções fenomenais na Era da Informação, quando as sociedades midiatizadas e midiáticas convertem, com a velocidade de um raio, fatos em versões, acontecimentos em opinião pública e pontos de vista em sentenças. Roland Barthes, em O Rumor da Língua, teorizou que “a palavra falada é irreversível, tal é a sua fatalidade”.

Aqui no Maranhão, onde o maior orador sacro da língua portuguesa, o padre Antônio Vieira, realizou algumas de suas pregações, os rumores já antecipam o tempo verbal das Eleições de 2014. Enquanto um dos pré-candidatos à cobiçada cadeira do Palácio dos Leões provoca um estrondo, ao falar em fraude na eleição passada, o outro critica a “mudança só de gogó”. Até outubro de 2014, cada frase será reverberada em milhares de compartilhamentos, amplificada à elevada potência da Opinião Pública e transformada em dardo a ser cravado no alvo das urnas ou nas costas de quem atirou a primeira palavra.  No calor dos palanques ou no mormaço das reuniões políticas, os mais afoitos cometerão o pecado anunciado pelas escrituras cristãs: “o mal é o que sai da boca do homem”. Mas como se comportar bem à mesa, no afã de digerir corretamente o banquete de governar?
Bourdieu considera que a condição permanente da dominação é a reconversão permanente do capital econômico em capital simbólico. O diretor do Centro de Análise de Discurso, professor da Universidade de Paris-Nord, Patrick Charaudeau, na obra Discurso Político, também destaca o enfrentamento de força simbólica “para a conquista e gestão de um poder”. E, ao mencionar que o sujeito político deve “se mostrar crível e persuadir o maior número de indivíduos” também considera a necessidade de se “fazer prova da persuasão para desempenhar este duplo papel de representante e de fiador de bem-estar social”.  
Mais do que em qualquer época da humanidade, a atualidade coloca a mídia como o lugar estratégico da produção de opinião e, como tal, sujeita a julgamentos, distorções e manipulações de toda a espécie. Acrescentam-se a isso, os estudos de recepção, quando os fenômenos da Comunicação deixam de ser analisados de modo mecanicista e funcionalista. Ou seja, cada mensagem jamais será aceita passivamente pelo receptor, sendo interpretada e decodificada, segundo a experiência individual e cultural de cada um.
Deixando as teorias de lado, foi-se o tempo em que envernizar belas frases e dourar a pílula eram suficientes para encantar o eleitorado ou atingir os resultados esperados. Comunicar exige estudo permanente, a elaboração de estratégias e a dedicação de bons profissionais. Advogar e exercer a Medicina também não? Senhores, consultem especialistas e evitem os efeitos indesejados!
 

segunda-feira, 11 de março de 2013

Grosseria Epidêmica

 “Deixai toda esperança, ó vós que entrais”, vaticinou Dante Alighiere à porta do Inferno, no clássico A Divina Comédia. A frase parece sob medida para ser afixada na entrada da dita modernidade em sociedade. A notícia sobre o estudante de Psicologia, Alex Siwek, que atropelou ontem (10/03) um ciclista na Avenida Paulista (SP) e, além de não prestar socorro, jogou o braço do jovem no rio, é mais um exemplo de como o caos urbano pode ser elevado ao nível do grotesco.
Diante dos tiranos sociais, em circunstâncias degradantes de uma vida civilizada, o desencanto e a desesperança disputam espaço com o sentimento de indignação que ainda resiste nos poucos e bons. Quais seriam as razões psicológicas, culturais, sexuais e neuroses outras que levam boçais a furarem uma fila, quando você está aguardando há duas horas para ser atendido? Ou quando é obrigado a purgar sua impaciência, esperando 40 minutos o cara de pau que trancou seu carro no estacionamento?
A noção de bom senso parece ter sido esmagada pela urbanização acelerada, pelos problemas da mobilidade urbana e pelos ditames da era da competitividade e de seus valores distorcidos. O mundo foi assolado pela grosseria epidêmica, infestada como uma praga no convívio social. Os Hitlers domésticos já não se ruborizam em fazer suas demonstrações públicas de arrogância e autoritarismo, desrespeitando os direitos de portadores de necessidades especiais, idosos, atropelando até as mais elementares regras da boa convivência. Eles expelem sua bílis e vomitam suas frustrações, ambições e recalques no trânsito, no ambiente de trabalho e nas mais diferentes ocasiões. Gentileza em quem ocupa um cargo de poder é quase um artigo de luxo aqui por estas bandas. Em São Luís, chega-se ao cúmulo de considerar os mais educados assim: “Esse deve ser gente de fora”. E ai do homem que se atreve a ser gentil e atencioso, pois, via de regra, é confundido com gay (pelo menos neste quesito os inquisidores do século XXI reconhecem). No outro extremo estão os machos que, ao serem ultrapassados no trânsito, agem como se tivessem roubado sua virilidade. São brucutus escondidos por debaixo dos ternos Armanis. E moças de uma vulgaridade que nem uma coleção de sapatos Fernando Pires consegue disfarçar a deselegância.  
Ouso especular sobre as origens da péssima educação dos que exibem seus maus hábitos no trânsito, nas filas ou em outros episódios de total falta de respeito com as regras do convívio em sociedade. Sérgio Buarque de Holanda, em O Homem Cordial, descreve: “O Estado não é uma ampliação do círculo familiar e, ainda menos, uma integração de certos agrupamentos, de certas vontades particularistas”. A velha e feia mania de confundir o público com o privado, já tão largamente adotada no exercício das práticas públicas, alcançou a ampla esfera social. As leis e o conjunto de normas e condutas que consistem o Direito existem para regular as relações sociais. Não são as vontades particulares de cada um que devem prevalecer. Se não é possível educar os maus hábitos, que eles se mantenham restritos ao círculo familiar, onde as regras que prevalecem são as de casa.
Os problemas que atingem o mundo de 7 bilhões e meio de pessoas também passam, urgentemente, pela boa educação e pelos respeito aos direitos de cada um.














sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Bandeira


POÉTICA

Estou farto do lirismo comedido
Do lirismo bem comportado
Do lirismo funcionário público com livro de ponto espediente protocolo e manifestações de apreço ao sr. diretor.

Estou farto do lirismo que pára e vai averiguar no dicionário o cunho vernáculo de um vocábulo.

Abaixo os puristas.
Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais
Todas as construções sobretudo as sintaxes de exceção
Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis

Estou farto do lirismo namorador
Político
Raquítico
Sifilítico
De todo lirismo que capitula ao que quer que seja fora de si mesmo.

De resto não é lirismo
Será contabilidade tabela de co-senos secretário do amante exemplar com cem modelos de cartas e as diferentes maneiras de agradar &agraves mulheres, etc.

Quero antes o lirismo dos loucos
O lirismo dos bêbados
O lirismo difícil e pungente dos bêbados
O lirismo dos clowns de Shakespeare.

- Não quero saber do lirismo que não é libertação.
 

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

Pílulas contra o tédio

Como Sísifo, carregamos o peso de nossas obsessões durante anos, voltando sempre à estaca zero. Justo ele, considerado o mais arguto dos mortais na Mitologia, condenado por desafiar a ira dos deuses. O castigo recebido por Sísifo foi executar um trabalho rotineiro e cansativo, demonstrando que os mortais não têm a liberdade dos deuses. Os mortais não têm escolha, limitando-se aos afazeres da vida cotidiana, em sua repetição e monotonia.
A monotonia da rotina sempre foi o pior dos tormentos para os que sobrevivem do novo, os que se alimentam do surgimento, do desabrochar, da criação, os que saciam seus desejos no imaculado papel que engravida de poesia, de contos, de textos e pretextos. A nua tela do computador sem pudor, em suas ofertas, sempre pronta a ser preenchida, ferida, comprimida. Não pode haver tortura maior do que a esterilidade da rotina do dia-a-dia, a ferrugem nas engrenagens de cada atividade, o olhar inerte, sem brilho que não se atém aos detalhes sagrados de cada coisa da Existência ou a deficiência de entusiasmo que condena nosso estágio terreno de aprendizados a uma pena, aumentando o peso dos anos, carregados por nós. O risco é se transformar numa outra versão de Sísifo - não aquele que jamais termina sua missão - mas o insaciável, que precisa sempre de mais, que tem sede no novo, do porvir, do parto das possibilidades, da “flor que furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio”, conforme anunciou o poeta Drummond.
Ser mortal é ser condenado a morrer diante da Vida, a cegar-se, voluntariamente, para as belezas dos dias tão professores. É melhor ser eterno, já foi dito.  E a impermanência é uma imperatriz.











sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Formigueiro de Gente


As formigas na alma
Sempre em estado de festa
O resto são meras vestes
Fogareiro no meu interior
Na mesa acesa a lamparina
Devoro a vida com farinha
Meus pés no cais? Jamais!
Quero mais
Um Porto é sempre outro
E a rota nunca é reta


terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Seu Bezerra: patrimônio da minha humanidade


Ele se foi. Com seu sorriso de monge, era a personificação do trecho evangélico: “Bem aventurados os mansos porque possuirão a Terra”. Tornou-se, de fato, dono absoluto dos dias tão transitórios aqui neste planeta, mas tinha a plena convicção de que seu reino também não era deste mundo. Nestes tempos áridos, em que a rispidez e a arrogância são, equivocadamente, tidas como “vantagens competitivas”, José Bezerra, meu avô, deixou a mais preciosa de todas as lições: a da humildade que se sobrepõe às pequenezas, conforme o preceito cristão. Era um pobre de espírito, no sentido de ser desprovido de vaidades, orgulhos, conflitos, entulhos emocionais e outros adereços ou firulas que, com o passar dos anos, vão tornando a atmosfera pessoal cada vez mais pesada.
Um homem simples. Ah, como a simplicidade é valiosa! Era suave, leve como são as pessoas que ainda insistem na virtude da doçura, neste condomínio de amarguras. Embora alguns autores do Além considerem a Terra, um Vale de Lágrimas, Seu Bezerra era um árduo defensor da alegria. A sua saudação preferida era: “Paz e Alegria!”. Advogava em favor da paz, mas não aquela paz inóspita de um Céu de monotonia e tédio, mas a paz com alegria edificante, que entusiasma o espírito. Não é à toa que, etimologicamente, a palavra Entusiasmo guarda o termo sagrado, “Deus”, significando, do grego, “em Deus”. Lembrava Santa Teresa de Ávilla, que dizia: “Senhor, livrai-me dos santos carrancudos!”.
Um dia, ao editar a primeira edição do jornal criado por Moab José para o Lar Pouso da Esperança, ao entrevistá-lo, perguntei, com curiosidade de jornalista e de neta: “O que o senhor recebeu, em troca, ao ter abdicado de muitas coisas, para se dedicar à Doutrina Espírita?”. Sem hesitar, ele me respondeu, com riso de menino: “Ah, mas eu recebi muitas graças ao longo dos anos. E também algumas gracinhas.” Nunca esqueci a outra lição, tão próxima da humildade, contida naquele ensinamento que falta aos que morrem queimados na Fogueira das Vaidades: “De que vale o homem ganhar o mundo e perder sua alma?”
Agora que a Ciência começa a perceber a estreita relação entre Otimismo e Felicidade, tenho a forte impressão, impregnada de certeza, de que meu avô era um senhor feliz. Nunca o vi reclamar, dizer que algo não ía dar certo ou falar mal de alguém. Era generoso a ponto de me fazer chorar. Um dia, ainda garoto, correndo no estacionamento da Ufma, Marivando Louzeiro descobriu que eu e minha prima Mônica, erámos netas de Seu Bezerra e de dona Aimée: “Vocês são netas desse pessoal lá daquela casa? Rapaz, esse pessoal é bom demais!”.
Ele deixa esse imenso legado de generosidade e de dedicação ao Bem, para que, nós, seus descendentes, possamos fazer bom proveito no cultivo. Jamais vou esquecer a cena dos vigias de carro, dos feirantes, das irmãs dependentes de drogas que perambulam pelas redondezas da rua da Saúde, chorando sobre o caixão onde meu vovôzinho descansava do peso da matéria. Que nem diante das maiores tristezas, aquelas de envergar a alma, eu esqueça os ensinamentos deste homem que tive o privilégio de conviver durante 97 anos. Saudades eternas, meu vovô Bezerra.