terça-feira, 28 de maio de 2013

Aluísio Azevedo em cartaz


quinta-feira, 23 de maio de 2013

Palavrar




Sim. Já me posicionei em frente ao teclado do computador, como se estivesse diante de um piano, com a pretensa e solene missão de compor melodias elevadas e supostas obras-primas do gênero. E também já percebi no ofício de escrever as mesmas exigências e habilidades necessárias a quem trabalha com uma enxada na lavoura. Não foi por acaso que a expressão “da lavra do autor” coube tão bem nas descrições de obras literárias. Ser compositor e, ao mesmo tempo, lavrador, é a síntese de quem carrega consigo a sina de escrever para viver. É preciso conciliar delicadeza e força, elementos vitais presentes tanto nas composições clássicas quanto na atividade de lavrar a terra. O clima, o solo e certos adubos também ajudam. É preciso paciência e dedicação diária. A escrita - assim como as frutas e verduras - que amadurece antes do tempo certo ou sob efeito artificial de certos fertilizantes, não tem sabor.

Eu escolhi para a minha vida esse caminho de palavras pedregosas, de pa...larvas que se arrastam até transmutarem-se em borbo...letras. Estou agora diante de mais uma peleja com as palavras, em busca de persuadi-las, enlaça-las como diria o poeta maior. No intervalo deste trabalho, descanso carregando mais palavras. Machado de Assis já dizia: “Essa sarna de escrever, quando pega aos 50 anos, não despega mais”. Mas desde os 8 anos eu lembro de já cometer versos açucarados para minha mãe. Aos 18, decidi que ganharia o pão de cada dia às custas das palavras surradas do labor jornalístico. O que será de mim aos 50 anos? Até lá, já terei saído da gaveta e publicado meu livro?

Penso nos meus poetas e romancistas brasileiros preferidos, funcionários públicos que também dublavam a rotina dos textos engravatados de suas repartições com escritas soltas, livres, prazerosas e geniais. Não deve haver, na Literatura Universal, escritor que promova o consenso definitivo entre uma narração compenetrada e deslavadamente irônica, como o Bruxo do Cosme Velho. Ninguém como Machado de Assis jamais descreveu, com tanta sutileza, tanto cinismo, as razões funcionalistas para a escolha de uma mulher feia, destas que não atrapalham a dedicação do sujeito ao ofício:   

"Simão Bacamarte explicou-lhe que D. Evarista reunia condições fisiológicas e anatômicas de primeira ordem, digeria com facilidade, dormia regularmente, tinha bom pulso, e excelente vista; estava assim apta para dar-lhe filhos robustos, sãos e inteligentes. Se além dessas prendas,  - únicas dignas da preocupação de um sábio,  -  D. Evarista era mal composta de feições, longe de lastimá-lo, agradecia-o a Deus, porquanto não corria o risco de preterir os interesses da ciência na contemplação exclusiva, miúda e vulgar da consorte". (O Alienista)

Eis o estilo definitivo, desprovido de adiposidades semânticas e penduricalhos linguísticos. Diante destes mitos das Letras, é preciso respeitar o ofício de escrever. É necessário perseguir a boa forma física das palavras e evitar que o texto se transforme numa "piriguete" enfeitada, vestindo roupas brilhantes e banalizando a elegância de narrar ou opinar. E já que o tema pede, Graciliano Ramos aconselha:

"Deve-se escrever da mesma maneira como as lavadeiras lá de Alagoas fazem seu ofício. Elas começam com uma primeira lavada, molham a roupa suja na beira da lagoa ou do riacho, torcem o pano, molham-no novamente, voltam a torcer. Colocam o anil, ensaboam e torcem uma, duas vezes. Depois enxáguam, dão mais uma molhada, agora jogando a água com a mão. Batem o pano na laje ou na pedra limpa, e dão mais uma torcida e mais outra, torcem até não pingar do pano uma só gota. Somente depois de feito tudo isso é que elas dependuram a roupa lavada na corda ou no varal, para secar. Pois quem se mete a escrever devia fazer a mesma coisa. A palavra não foi feita para enfeitar, brilhar como ouro falso; a palavra foi feita para dizer."


domingo, 5 de maio de 2013

A dança do meio-fio


Uma pétala do Rosa em sua obra-prima, Grande Sertão Veredas, provoca ebulição nas palavras e sensações adormecidas dentro de mim: “O correr da vida embrulha tudo”. Regida pelo signo da mutação, sofro o assédio, com certa frequência, das várias metamorfoses que surgem ao longo dos bem vividos anos que me são presenteados. Gosto da chuva repentina, das rotas alteradas, das ondas que se levantam do fundo do oceano, afoitas, desafiadoras, rasgando a calmaria da superfície. No entanto, a poesia e os rompantes às vezes assustam, deixando espaço amplo para o inusitado em forma de soco. No som do carro escorre a voz rouca de tia Rita Lee, definindo meu trajeto: Mas sigo meu destino num yellow submarino. Acendo a luz que me conduz. E os deuses me convidam para dançar no meio fio”.
Os ciclos que compõem as marés da vida, vez por outra, aparecem sob a forma de vazante, com ausências e falências de diferentes matizes, necessárias ao depurar de toda sorte de excessos. A razão para as subtrações em nossa falsa auto-suficiência deve ter suas origens na necessidade de transcendência que trazemos na essência. É necessário sair de onde estamos durante algum tempo. É preciso flutuar, tirar os pés do chão, libertar as correntes que nos prendem, frequentemente, aos pesos que acumulamos nesta viagem aqui na Terra. É preciso aprender a dançar no meio-fio, aprender a viver com menos expectativas e até com menos recursos. É o exercitar de movimentos suaves, em espaço diminuto. Roger Garaudy, o qual conheci por meio das bruxas da Biodança, em sua obra Dançar a Vida, menciona a dança como símbolo do ato de viver, como parte integrante das respostas às questões fundamentais do homem contemporâneo e não apenas como uma arte mas, sobretudo, como um modo de viver.
Nesse jeito de dançar a vida as ansiedades não cabem. Ao contrário, o primeiro requisito para a dança é a fluidez, capacidade de se adaptar aos diferentes ritmos que a existência exige. Os perdulários não caminham, são arrastados por suas ambições, jamais satisfeitas. Os despojados bailam ao som de cada música executada pela Grande Orquestra Existencial.
Tenho sustos quando sou assaltada pela vida. Mas lá dentro, um riso de ironia me mostra como são necessárias, ainda que amargas, as perdas. Na próxima maré enchente, o que perdemos pode voltar com mais sabor e alegria. E por falar em alegria, o humor haverá de um dia ser incluído na lista das atitudes necessárias à redenção de uma humanidade doente.





sexta-feira, 3 de maio de 2013

Gay Talese por Geneton Moraes Neto



Aviso aos navegantes, especialmente jornalistas, iniciantes ou dinossauros: GLOBONEWS reexibe neste sábado,às 21:30, na Faixa Acervo, entrevista completa com um dos pais do Novo Jornalismo, o célebre Gay Talese. O que Talese diz vale por uma "aula de jornalismo". 


Por exemplo: confessa que não teria o menor interesse em entrevistar grandes astros do cinema, porque vivem repetindo o que assessores de imprensa lhes sopram. Dificilmente pronunciam alguma coisa relevante. Talese é daqueles que acreditam que a gente anônima pode ser - e é - dez vezes mais interessante que as chamadas "celebridades". Bingo. 

Basta ver a maioria das entrevistas com celebridades: em geral, são um desfile constrangedor de obviedades, insufladas por repórteres-vôlei. Ou seja: aqueles que vivem levantando a bola para o entrevistado. Trágico, trágico, trágico.

Talese fala do personagem de uma das primeiras reportagens que fez: ao transitar por uma rua de Nova York, ficou imaginando quem seria o homem que operava aqueles placares luminosos que anunciavam as notícias do dia. Teve a curiosidade de procurá-lo. Produziu uma reportagem interessante a partir de uma pauta original.

Idem com um dos clássicos do Novo Jornalismo: Talese escolheu como personagem uma figura anônima da redação - o redator de obituários, aquele sujeito que passava o tempo imaginando que frase de efeito poderia escreveria quando um grande nome morresse. 

O resultado do trabalho de Gay Talese é um perfil excepcional, um dos capítulos da coletânea "Fama e Anonimato".

Eis aí o enésimo exemplo de que não existe assunto desinteressante. O que existe é jornalista desinteressado.

É uma figura cem por cento nociva à profissão, porque transforma o Jornalismo num monumento à chatice.

O Jornalismo tinha tudo para ser vívido, interessante, curioso. É o que acontece quando retrata personagens como os que despertaram a curiosidade de Talese. Mas, na "vida real", é sufocado por burocratas que passam a vida "derrubando matéria" (ou seja: jogando no lixo da redação assuntos que, com toda certeza, interessariam ao público). 

Neste exato momento, às 11 horas da manhã do dia três de maio de 2013, em alguma redação, um sujeito com ar entediado acaba de decretar, com os olhos semi-cerrados: "Isso não é notícia. Isso não vale. A "concorrência" já deu"....

Assim caminha a humanidade.

Uma das mais belas pichações produzidas durante a rebelião de maio de 68 em Paris foi feita na parede de uma das mais tradicionais universidades francesas por um estudante provavelmente ingênuo : "E se a gente incendiasse a Sorbonne ?" - perguntava ele.

O jornalismo poderia melhorar se cada iniciante ( e cada dinossauro! ) refizesse todo dia, logo pela manhã, a pergunta ingênua que o pichador de 68 fez na parede da universidade : "E se a gente incendiasse o Jornalismo ?".

Em última instância, é o que o sr. Talese fez: de certa maneira, incendiou o jornalismo, com imaginação. 

Não existe outro combustível contra a mesmice, o tédio e a chatice do jornalismo burocrático.

Um Gay Talese aparece de cinquenta em cinquenta anos. Mas um jornalista que aposte na ousadia e na imaginação e não se deixe contaminar pelo tédio dos burocratas não é uma flor tão rara. 

Como diz aquele música bonita dos Rolling Stones, Angie: "Você não pode dizer que a gente nunca tentou".

Fica, então, o aviso: vale a pena ouvir o que Gay Talese tem a dizer sobre esta profissão estupenda e desgraçada, o tal do Jornalismo: reapresentação do DOSSIÊ GLOBONEWS neste sábado (4/5), às 21:30.

Texto: Geneton Moraes Neto