segunda-feira, 30 de maio de 2011

Filha das Águas


Regida pelo signo da transformação, aprecio o revirar de páginas, a mutação dos sentidos, as mudanças de rota, a arrancada da última folhinha do calendário, os rituais de passagens, as letras que preenchem o espaço branco no monitor dos dias, a música que irrompe o silêncio. O por do sol, ao som de Dindi, de Tom Jobim, desmanchando convicções de mármore. A sensação de um relógio batendo no peito, metáfora do coração vital, incessante ritmo da Vida que impulsiona e apresenta cada minuto com vestes de espetáculo.
Aprecio o cio que “vence o cansaço”. A voracidade do inevitável. As águas que jorram, indomáveis, a força de dentro da Terra. A fluidez dos dias correndo como asas nos pés do deus Hermes. O ciclo das marés sem interrupção. As cores que gritam no quadro vermelho. Plantas bailando. Vento soprando segredos. Sol protetor, pai de todos nós. Palavras com sabor. Atritos que geram fogo. Incêndios no olhar. O sangue irrigando as veias. Beijos florescendo desertos. Sou mutante, gosto do adiante. Desejo as vontades. Percorro as trilhas, adoto rotas, sigo caminhos. Ouço canções nas vozes alheias. Apago a escuridão. Sou água: mansa e revolta. Gélida e morna. Na correnteza das certezas, mergulho em mim.  




quarta-feira, 25 de maio de 2011

Mensagem de Amor

segunda-feira, 23 de maio de 2011

Concordata Verbal



Conversa fiada.
Falência anunciada.
Papo furado.
Seda rasgada
Raiz quadrada da prova dos nove: zero
Números sem húmus
      Ímpar nunca será “par”
Para bom entendedor, meia palavra bosta.




domingo, 22 de maio de 2011

Cristina Asevêdo com “s” de saudade


A morte talvez seja uma das mais bem elaboradas estratégias da divindade para mostrar a nossa pequenez. Diante dela, somos açoitados pelas nossas ilusões e pela maior de todas elas, a falácia da imortalidade na carne. Diante dessa senhora, que chega se apropriando daquele refrão de música “somos todos iguais nessa noite”, somos dilaceramos pela saudade, somente aplacada com a força da convicção de um encontro na outra dimensão da existência.
A impossibilidade de abraçar alguém que já não está mais aqui chega com a crueza da verdade do quanto devemos amar cada vez mais, do quanto as mesquinharias de nossos entulhos emocionais precisam ser removidas, do quanto esta viagem é, inexoravelmente, transitória. A mais cristalina de todas as certezas, em meio à nossa trajetória de encruzilhadas, atalhos, desvios e dúvidas de toda espécie, é a de que estamos todos nos despedindo a todo instante. Os amores não consumados, as palavras que nunca foram ditas, os sonhos que apagamos feito fumaça, os projetos que engavetamos e tudo o que deixamos de fazer, em razão de nossas fraquezas, egoísmos, medos e covardias surgem, vivos, em presença da morte, essa grande professora.


Deixamo-nos arrastar pela correnteza dos dias desperdiçados, entorpecidos pela arrogância de nossas falsas verdades, embriagados da ilusória crença na eternidade dos anos que achamos ainda ter pela frente. E, entre os patrimônios que pensamos ter, o presente é um dos poucos que nos resta.  
Este texto se esvai, agora, junto com minhas lágrimas pela ausência física daquela que foi uma mãe, irmã, amiga, um desses amores raros que a Vida nos traz, em meio à dança dos encontros, nunca encerrados pelo final de uma música triste. Conheci Maria Cristina Asêvedo no auge da ignorância dos meus 22 aninhos.  Ariana como mamãe, ela me ensinou coisas preciosas que guardo até hoje. Era umas das maiores incentivadoras do meu ainda apaixonado exercício jornalístico. Dizia que conhecia meu texto pelo estilo, ainda que eu não assinasse a matéria. Sabia muito, muito de mim. Dona de um sorriso largo, iluminado, Cris era portadora de uma generosidade incurável. Amou muito. Talvez além do que o merecimento das pessoas. Nunca vou esquecer uma cartinha dela endereçada a um amor complicado, difícil, lavrada por uma impecável retórica jurídica: “o que dizem que é pouco amor por mim, eu prefiro achar que é muito amor por ti”.
Minha querida Pim, os banhos de mar que tomamos juntas, nos dias 31 de dezembro, e que tu dizias que sempre te traziam sorte, estarão sempre em minha lembrança. A música Vento no Litoral volta agora, como a maré cheia que tanto te lembrava de mim:
...E quando vejo o mar, existe algo que diz que a vida continua e se entregar é uma bobagem... já que você não está aqui, o que posso fazer
é cuidar de mim
”.
Uma das últimas conversas que tivemos, ainda no hospital, Cris me falou sobre a efemeridade de certas situações: “tudo passa”. Somente ficam eternos os sentimentos que nos fazem transcender  a nossa própria pequenez. Obrigada por tudo, minha Pim.

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Erro de Leitura


Uma notícia, na semana passada, chamou a atenção, em particular, aos que se interessam pelos fenômenos da Sociedade em Rede, na precisa e aprofundada investigação de Manuel Castells. Uma adolescente de 14 anos é estuprada, no município maranhense de Paço do Lumiar, por sete homens que não se contentam com a barbaridade cometida e filmam o crime pelo celular.
Incluo-me no rol dos que fazem apologia à enxurrada de processos de interconexão mundial, com sua profusão de meios tecnológicos e redes sociais, proliferando tendências, comportamentos e diferentes formas de expressão. Mas há de se observar, com apurado senso perscrutador, os efeitos ainda poucos estudados do fenômeno da convergência das mídias – em especial no que se refere ao comportamento humano.
A Modernidade Líquida, segundo Baumant, alterou, profundamente, os contornos culturais das sociedades. O antropólogo Clifford Geertz afirma que “são as falhas e as fissuras que parecem demarcar a paisagem da identidade coletiva”. Giddens, por sua vez, põe mais combustível na fogueira e diz que o planeta, “em vez de estar cada vez mais sob nosso comando, parece um mundo em descontrole”.
E, embora todos os desdobramentos complexos e suas implicações, o termômetro das oscilações contemporâneas absorve a temperatura adequada ao desabrochar de mosaicos culturais, de procedimentos sinérgicos, intercâmbios de conhecimentos e costumes, fusões de multiplicidades que possibilitam transformações promissoras, quando estas se traduzem em legítimas formas de expressão das identidades e quando as ferramentas e seus recursos se convertem em estímulo ao aprendizado e como meios de democratização dos saberes. É a tal Ecologia Cognitiva, compreendida por Pierre Levy, possibilitando compartilhar conhecimentos, em larga escala, em uma Megarrede Comum.

A caquética questão local - incrustada em meio à explosão das novas formas de compartilhamento de informações e valores - continua sendo a ausência de iniciativas criativas, de políticas culturais e educacionais, em sincronia com a contemporaneidade acelerada, e de uma agenda permanente em favor do despertar ou do aprimoramento dos sentidos mais elevados. E não basta, simplesmente, tecer considerações em torno da brutalidade, da patologia psíquica dos jovens estupradores-cinegrafistas. A lacuna deixada por programas de desenvolvimento humano tem sua enorme parcela de culpa na ociosidade da juventude perversa.
O livro Da favela para o mundo, sobre as experiências culturais desenvolvidas pelo grupo AfroReggae, no Rio de Janeiro, registra o momento em que um rapaz da comunidade Vigário Geral saía para participar de um assalto, mas atraído por uma batucada, pediu licença aos colegas bandidos, “escapou da morte e recuperou o direito à vida”. Iniciativas como um concurso de blogs com a melhor redação, em uma escola pública de São Paulo e uma biblioteca-jumento, no sertão pernambucano, que percorre municípios emprestando livros, em meio à aridez literária, são exemplos das viáveis, variadas e possíveis formas de incentivo ao crescimento, em sentido lato.
     No Maranhão-ao-Deus-dará, onde escasseiam programas de incentivo cultural a jovens e adolescentes, dados da PNAD/IBGE 2009 apontam que o analfabetismo ainda atinge o patamar 19,1 %, na população de de 15 anos ou mais. E basta um passeio na sexta-feira à noite, na escadaria do teatro João do Vale, na Praia Grande, para presenciar o consumo exagerado de álcool entre meninos e meninas, alguns ainda fardados do tédio de suas escolas. Enquanto isso, as portas da arte como educação continuam fechadas, as bibliotecas mal equipadas e pouco frequentadas e os refrões que mais atraem multidões de rapazes e mocinhas ainda são similares ao daquela banda de forró eletrônico: “cair, beber e levantar”.














sexta-feira, 13 de maio de 2011

Bailinho da Flavinha

quarta-feira, 11 de maio de 2011

A menina do pântano



A sensação de alegria abobalhada percorria a planta dos pés da moça, germinando flores e fazendo nascer tulipas em seus olhos. Risos. Ela ouvia risos dentro do estômago. Sentia o frescor dos ventos de maio em seu rosto, antes tão empedernido, duro feito as pedras da escadaria. Havia nascido dentro dela uma menina.

Após meses e meses a fio de tormentos e dúvidas a infectarem aquela corrente sanguínea. Dúvidas de saúva. Os momentos prazerosos, o êxtase proporcionado pelo triunfo dos encontros fugazes de corpos eram destruídos pela estranheza que surgia, repentina, naquele semblante de amante.

As sensações de Inferno e Paraíso se aglutinavam em uma simbiose doentia e tomavam posse de sua mente demente, num vai-e-vem de oscilações nervosas. Angústias a acordavam de madrugada. Por que a rispidez insistia em ferir a fragilidade de um amor recém-nascido, ainda a ser nutrido? Para que adicionar fezes aos dias felizes? Ele se escondia sob o manto da destruição, empurrando o afeto singelo para o inferno. E ainda assim, ela conseguia catar vestígios do sentimento que escapava pelos olhos dele, gélidos e aritméticos. Fraude. Sentimento de cimento. Sementes ao vento.

Mas agora uma chuva calma bailava, suavemente, em ressonância com as paredes daquele interior de amorosidades serenas. Suavidades eram cultivadas em flor. Ela vivia em meio à seda de afetos, com ternuras múltiplas que compunham a colcha de retalhos do viver. Tulipas nascendo nos olhos. Um perfume no corpo florido. Ela deitava na grama, se enroscava no chão e tinha alucinações verbo-mentais. O musgo ranzinza reclamava na cama. A pedra rouca, de cócoras, fazia muxoxo à luz de grinalda, toda encantada. Pensava: “Minha rã filosofia mora num pântano de palavras feitas de limo e pedra”. A menina sorria, débil e fértil. E cantava seus versos cor de Guimarães rosa, com a textura de barros, do Manoel.

segunda-feira, 9 de maio de 2011

Se amar fosse fácil...

sábado, 7 de maio de 2011

Mochileira da Existência


A sabedoria cigana diz que viajar é um ato mágico. Rabisco na minha caderneta de Cartas para Mim sem Fim, meus poemas e dilemas, textos e pretextos, bulas de remédio e simpatias contra o tédio. O que agora salta para a tela de computador surgiu durante uma viagem, entre tantas que me levaram durante o ano de 2007. A mais arriscada de todas elas teve como destino o meu próprio Eu, graças ao passaporte cedido pela Dra. Julianne Prietto Peres Mercante.

Viajar resume a tradução complexa do que seria a Vida, no sentido de movimento. Schopenhauer, em Aforismos para a Sabedoria de Vida, destrincha em boa parte da obra a afirmação de Aristóteles de que a vida consiste em movimento e nele tem sua essência. O filósofo menciona que: “em todo o interior do organismo há impera um movimento incessante e rápido. O coração em sua complicada e dupla sístole e diástole, bate de modo veemente e incansável (...) O pulmão bombeia sem interrupção como uma máquina a vapor. Os intestinos se contraem continuamente. Todas as glândulas absorvem e secretam, constantemente, mesmo o cérebro tem um movimento duplo para cada pulsação e cada aspiração”. Embora tido como pessimista, Shopenhauer prescreve o antídoto para o caráter imobilizador da tristeza: o movimento.

O devassar de lugares, o caminhar, o ir e vir, o poder de sentir-se nas entranhas do mundo, sentir o cheiro das cidades, a arquitetura dos tipos físicos, a música dos sotaques. A chegada e a saída compondo os movimentos de uma coreografia do existir. A busca externa para a percepção dos labirintos interiores, o degustar com os olhos.

A contemporaneidade esgarçada oferece um cenário ainda mais fascinante aos andarilhos como eu, já devidamente autodenominada de Mochileira da Existência. O mundo transmutou-se em um caleidoscópio de formas indefinidas e mutantes. A convulsão que eclode o cenário atual é caracterizada por um fenômeno que provoca, tanto o hibridismo de culturas antes aparentemente uniformes, quanto o surgimento de ricas multiculturalidades – conforme a arguta análise do antropólogo argentino Nestor Canclini.

Nos meus devaneios tão frequentes, já quis fundar uma cidade que reunisse as características da fantástica Macondo, de Garcia Márquez em Cem Anos de Solidão e da permissiva Pasárgada, de Manuel Bandeira. A minha cidade proustiana seria a síntese de todas as cinquenta e cinco Cidades Invisíves de Ítalo Calvino e haveríamos de atentar para o que disse o autor: “As pessoas querem aprender a nadar e ter um pé no chão ao mesmo tempo”.

Hoje, sempre que me liberto de certas algemas mentais, deixo-me apreciar cada lugar especial, cada situação, cada habitante dessa viagem pela eternidade, acreditando na verve de Fernando Pessoa, de que “para viajar, basta existir”. Ao fundo a batida pop rock, canta aos fracos que vieram ao mundo e perderam a viagem. Utilizo como uma prece, a frase do ateu Saramago "Nossa maior tragédia é não saber o que fazer com a vida”. Até a próxima escala!










sexta-feira, 6 de maio de 2011

Vida em abundância


Um casal de americanos comemora com champagne a morte de Osama Bin Lader. Festa nas ruas norte-americanas. A midiota se apressa em classificar Barack Obama como herói e o próprio aproveita para exortar que o desaparecimento do terrorista “deve ser bem recebido por todos que acreditam na paz e na dignidade humanas”. O oportuno discurso presidencial, devidamente convertido em capital político para as eleições de 2012, surte os efeitos esperados: a aprovação de Obama, subiu 52%, após a morte de Osama, segundo a mais recente pesquisa realizada pelo instituto Gallup. No domingo estava em 46%.


Militantes do Talebã e da Al Qaeda no Paquistão anunciaram, imediatamente após o assassinato, que a morte de Osama Bin Laden "não vai ficar sem resposta". O porta-voz da principal facção paquistanesa do Talebã avisou que a morte de Bin Laden será vingada. A Al-Qaeda jurou que vai manter a “jihad" (guerra santa. Santa?) para vingar a morte “de seu líder” e que "o sangue" de Bin Laden "terá sido derramado em vão e que isso será uma maldição para os americanos e seus agentes".

O evento, para onde holofotes mundiais estiveram voltados esta semana, é um recorte assustador do fracasso dos sistemas de desenvolvimento adotados pela humanidade. O modelo vigente, direcionado para a competitividade, a exclusão, o consumismo irresponsável e desenfreado, o caos urbano como conseqüência da ausência de políticas públicas sustentáveis, está em vias de exaustão. Enquanto suicidas fanáticos, de um lado, e a arrogância imperialista, do outro, ameaçam a tão fragilizada paz mundial, a população planetária já consome 50% mais recursos do que a Terra consegue oferecer. O mundo em descontrole, na acepção do sociólogo Anthony Giddens, discute Economia, Segurança, Relações Internacionais, conflitos de toda espécie, sem incluir nenhuma das questões no viés de uma proposta educativa capaz de inserir a humanidade em um novo paradigma global.

A cegueira diante da sacralização da vida é geradora de violência em escala. No Brasil, poucos conhecem um dos recursos essenciais na formação das gerações conscientes, a Educação Biocêntrica, que traz uma proposta pedagógica que coloca a vida em seu devido lugar central. Conforme ensina a psicopedagoga Ruth Cavalcante, fundadora do Centro de Desenvolvimento Humano (Fortaleza-CE), “o Princípio Biocêntrico é um novo paradigma no qual toda atividade humana está em função da vida; segue um modelo interativo, de rede, de encontro e de conectividade; situa o respeito à vida como centro e ponto de partida de todas as disciplinas e comportamentos humanos, e restabelece a noção de sacralização da vida”.


A vida é também ponto de partida para todas as disciplinas a serem estudadas. Entre os referenciais teóricos incluem-se: Martin Bubber, Dilthey (“filósofo do espírito”), Paulo Freire, Leonardo Boff, Fritjop Capra e outros. A Educação Biocêntrica propõe ainda integrar a Inteligência Afetiva ao desenvolvimento ou para harmonizar as capacidades mentais, emocionais e espirituais no processo de aprendizagem.


As atrocidades cometidas pelas líderes equivocados de nações vitimadas pela lacuna deixada nos sistemas educacionais e de desenvolvimento poderiam ser curadas pelas futuras gerações com a adoção da proposta de respeito à vida, de percepção do outro como parte de si mesmo e do todo.

Nem delírio, nem filosofia vã. Apenas uma equação exata, a qual estamos todos, inexoravelmente, incluídos. A genialidade de Einstein já nos advertiu: “A vida é como jogar uma bola na parede. Se a bola for jogada fraca, ela voltará fraca. Se a bola for jogada com força, ela voltará com força. A vida não dá nem empresta. Não se comove nem se apieda. Tudo quanto ela faz é retribuir e transferir aquilo que nós lhe oferecemos”.  

Mensagem ao Conflito Mundial Osama x Obama

segunda-feira, 2 de maio de 2011

domingo, 1 de maio de 2011

A raposa e as uvas