terça-feira, 21 de julho de 2009

Estelionato afetivo


Só quem já foi vítima de um estelionato afetivo sabe a amplitude da frase da escritora tcheca Monika Zgustova: “Portar máscaras durante longo tempo estraga a pele.” A questão, que envolve vítima e carrasco, presa e caçador, no terreno escorregadio de certas relações afetivas, também desmascara o baile do enredamento emocional. No entanto, na maioria das vezes, tanto o algoz quanto o suposto vitimado utilizam máscaras para esconder suas deformidades, variando entre compulsões, carências, déficit de auto estima, inflamação do ego, neuroses variadas e até psicoses. Provavelmente, a confusão começa com a ideia de que o desejo precisa ser algo fugidio, escorregadio, obscuro, inalcançável, representado no mito de Eros que só se realiza na escuridão da metáfora de um quarto e, após a vela ser acesa, desaparece consolidando sua própria natureza oculta.
Para alguns, o estelionato ao qual me refiro, esconde-se sob o falso manto da sedução que não se deixa revelar totalmente – quando, de fato, o que não é mostrado nesse jogo é sua verdadeira face e a contravenção de se alojar no ambiente ambíguo da linguagem, ou um lugar de fala, conforme convencionou classificar Barthes. Em Fragmentos de um discurso amoroso, o genial intelectual constrói enunciações em uma obra que estabelece “o lugar de alguém que fala de si mesmo, apaixonadamente, diante do outro (o objeto amado) que não fala”. Uma variedade formidável de ciladas são descobertas na leitura, como por exemplo, a de que o outro está destinado a um habitat superior no Olimpo, no capítulo sobre Dependência e a elementar constatação no capítulo Por quê?: “Ao mesmo tempo em que se pergunta, obsessivamente, porque não é amado, o sujeito apaixonado vive na crença de que, na verdade, o objeto amado o ama, mas não o diz”.
Acrescenta-se a essa filosofia fast food a voz rouca de Tom Jobim cantando Lígia, um clássico da contradição amorosa, em que mentiras e verdades dançam como bailarinas vendadas diante de olhos cegos, revelando-se em mágoa, no ato final, com a conversão: “Fiz um samba canção com as mentiras de amor que aprendi com você”.
Passei algum tempo atrás ouvindo um mantra de Dadá Coelho, jornalista que sobrevive de humor (que nos resta, senão rir da palhaçada que é o comportamento de boa parte da imprensa no Brasil?): “quem ama, viabiliza!”, “quem ama viabiliza!”. Às ouvintes desta rádio, que escrevem pedindo conselhos, só conheço um: para desligar de alguém, é preciso ter a certeza de que o Amor é como o slogan daquela operadora de telefonia móvel: Simples assim! Sintomas mais fortes ou menos intensos do que a cumplicidade, a ternura apaixonada, a alegre convivência entre desejo e admiração, mulherada, são assuntos para serem tratados em divã!

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