terça-feira, 20 de novembro de 2012

Drummond no Dia


Campo de Flores

Deus me deu um amor no tempo de madureza,
quando os frutos ou não são colhidos ou sabem a verme.
Deus-ou foi talvez o Diabo-deu-me este amor maduro,
e a um e outro agradeço, pois que tenho um amor.
Pois que tenho um amor, volto aos mitos pretéritos
e outros acrescento aos que amor já criou.


Eis que eu mesmo me torno o mito mais radioso
e talhado em penumbra sou e não sou, mas sou.
Mas sou cada vez mais, eu que não me sabia
e cansado de mim julgava que era o mundo
um vácuo atormentado, um sistema de erros.
Amanhecem de novo as antigas manhãs
que não vivi jamais, pois jamais me sorriram.
Mas me sorriam sempre atrás de tua sombra
imensa e contraída como letra no muro
e só hoje presente.


Deus me deu um amor porque o mereci.
De tantos que já tive ou tiveram em mim,
o sumo se espremeu para fazer vinho
ou foi sangue, talvez, que se armou em coágulo.
E o tempo que levou uma rosa indecisa
a tirar sua cor dessas chamas extintas
era o tempo mais justo.


Era tempo de terra.
Onde não há jardim, as flores nascem de um
secreto investimento em formas improváveis.
Hoje tenho um amor e me faço espaçoso
para arrecadar as alfaias de muitos
amantes desgovernados, no mundo, ou triunfantes,
e ao vê-los amorosos e transidos em torno,
o sagrado terror converto em jubilação.
Seu grão de angústia amor já me oferece
na mão esquerda.


Enquanto a outra acaricia
os cabelos e a voz e o passo e a arquitetura
e o mistério que além faz os seres preciosos
à visão extasiada.
Mas, porque me tocou um amor crepuscular,
há que amar diferente.


De uma grave paciência
ladrilhar minhas mãos.


E talvez a ironia
tenha dilacerado a melhor doação.


Há que amar e calar.
Para fora do tempo arrasto meus despojos
e estou vivo na luz que baixa e me confunde.

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Mandados de Mia Couto.

quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Obama e o Mundo

Afora o ufanismo exacerbado, característico dos filhos de Tio Sam e do seu complexo de “Umbigo do Mundo”, Barack Obama mais uma vez se consagrou pela oratória voltada a captar e expressar os anseios coletivos. A retórica presidencial faz falta aos nossos líderes tupiniquins, dos quais tão recentemente fomos plateia para apelos e tropeços gramaticais do bom, velho e pop Luiz Inácio Lula da Silva. Ao seu modo, Lula soube falar a língua do povo, com metáforas de gosto duvidoso e declarações infames, mal ajambradas para a boca de um presidente. Coisas do Brasil de Macunaíma e Zeca Pagodinho.
Pois bem, Obama não cumpriu a promessa de fechar Guantánamo, a prisão norte-americana localizada na Ilha de Cuba, símbolo de atrocidade e, segundo declarou a Anistia Internacional este ano, “de atentado aos direitos internacionais”. Já são dez anos de arbitrariedades contra a humanidade e da promessa feita pelo presidente norte-americano, em sua primeira eleição, só restou o verniz de mais um belo discurso, em entrevista ao programa 60 Minutes, da rede de televisão americana CBS, quando ele declarava que fecharia a prisão de Guantánamo para recuperar "a estatura moral dos Estados Unidos no mundo". Barack não comprou a briga. E também exagerou ao afirmar, sobre a morte de Bin Laden, que valeram os esforços para “tornar o mundo melhor”. Mas em mais um episódio soube capitalizar o sentimento da nação.
O puritanismo estaduniense rende-se ao multiculturalismo mundial e às megatendências de comportamento, em uma era que não tolera mais a própria intolerância, seja ela de orientação sexual, social, racial ou outra. O primeiro presidente negro da América é um produto desta contemporaneidade alargada e sabe como descrever sua época, quando afirma: “It doesn't matter whether you're black or white or Hispanic or Asian or Native American or young or old or rich or poor, able, disabled, gay or straight, you can make it here in America if you're willing to try”.
Ele discursa como estadista, quando afirma: “Nós somos maiores do que a soma das nossas ambições individuais.” E se suas palavras integrassem o repertório de práticas e ações dos líderes mundiais, em especial da classe política brasileira, a propalada Reforma Política começaria por um novo perfil de homens públicos. Marx Weber já anteciparia o fulcro do significado da política: “por os dedos entre os raios da história”.

terça-feira, 6 de novembro de 2012

A base biológica da espiritualidade


Assinalamos anteriormente, nestas páginas, que o espírito representa a dimensão do profundo humano. Espiritualidade que dele se deriva é um modo de ser, uma atitude fundamental, vivida na cotidianidade da existência: na arrumação da casa, no trabalho na fábrica, dirigindo o carro, conversando com amigos. De repente, irrompe como que um lampejo de algo mais profundo e inexplicável. É o espírito que se anuncia. As pessoas podem conscientemente se fazer abertas para o profundo e para o espiritual. Então se tornam mais centradas, serenas e irradiadoras  de paz. Propagam estranha vitalidade e entusiasmo porque têm Deus dentro de si.  Este Deus  interior é amor, o qual nas palavras de Dante, no final de cada livro da Divina comédia, “move os céus e as estrelas”,  — e nós acrescentamos: e nossos próprios corações.
Esta profundidade espiritual, dizem pesquisas científicas, tem uma base biológica. Realizadas do final do século 20 e conduzidas pelos neuropsicólogos MichaelPersinger e Ramachandran, pelo neurologista Wolf Singer e pelo neurolinguista Terrence Deacon, outrossim por técnicos usando scanners modernos para fazer imagens cerebrais, detectaram o que eles chamaram de “o ponto de Deus no cérebro” (God spot ou God module).
Pessoas que em suas vidas deram espaço significativo ao profundo, ao espiritual, revelam nos lóbulos frontais do cérebro uma excitação detectável acima do normal.  Estes lóbulos são ligados ao sistema límbico, o centro das emoções e valores. Aí se dá uma concentração naquilo que tais cientistas chamaram de “mente mística” (mystical mind).  Tal estimulação do “ponto de Deus” não está ligada a uma ideia ou a algum pensamento objetivo. Ele é ativado sempre e quando a pessoa se sente emotivamente envolvida com os contextos globais que conferem sentido à vida ou quando, de forma autoimplicada, se referem ao Sagrado, a temas religiosos ou diretamente a Deus. Trata-se de emoções e não de ideações, de fatores ligados a experiências de grande sentido que implicam um percepção do Todo e de algo incondicional.
Estudos mais recentes apontam que pode haver de fato não apenas uma mas  múltiplas regiões do cérebro estimuladas pela experiência de totalidade  e de sacralidade. Isso indica que o “ponto de Deus” pode ser, na verdade, uma “rede de Deus” compreendendo regiões normalmente associadas a emoções profundas e carregadas de significação.  Outros pesquisadores como Eugene D’Aquili e Andrew Newberg chamaram a esta realidade, como temos referido acima, a  ”mente mística”.
Esta mente mística pertence ao processo mais geral,  antropogênico-cosmogênico. Ela representa uma vantagem evolutiva da espécie homo. Como externamente somos dotado de sentidos pelos quais apreendemos a realidade através do ouvido, do olho, do tato e do olfato, assim seríamos internamente enriquecidos com um órgão pelo qual captamos o Mistério do Mundo, o que nos faz sensíveis àquela Energia poderosa e amorosa que perpassa de ponta a ponta todo o Universo e que subjaz à nossa existência. As tradições religiosas a chamaram de Deus.
Se ela está em nós  e nós somos parte do Universo, significa então que esta inteligência espiritual constitui uma propriedade do próprio Universo. Só porque está no Universo pôde estar em nós.  É por esta razão que a filósofa e física quântica Danah Zohar e o psiquiatra Ian Marshall afirmam que o ser humano não é apenas dotado de inteligência intelectual e emocional, mas também de inteligência espiritual. Esta é um dado de realidade com o mesmo direito de cidadania que a libido, a autoafirmação, a inteligência e o amor (QS: inteligência espiritual – Record, 2000).
Hoje faz-se urgente, mais que antes, dar realce à inteligência espiritual. Porque vivemos numa cultura entorpecida pelo materialismo e pelo consumismo induzido. O efeito deste modo de ser é bem relatado pela literatura contemporânea: sentimentos de náusea (Sartre), de estar-de-sobra (Marcel), de alienação (Marx), de “derelição-abandono”(Heidegger), de estrangeiros na própria pátria (Camus). Numa palavra, padecemos de graves doenças de sentido como denunciaram os psicanalistas Rollo May e Victor Frankl. Tudo isso porque embotamos a inteligência espiritual.
A espiritualidade nos ajuda a sair desta cultura doentia e agonizante. A integração da inteligência espiritual com as outras formas de inteligência — intelectual e emocional — nos abre para uma comunhão amorosa com todas as coisas e para uma atitude de respeito e de reverência face a todos os seres, muito mais ancestrais do que nós.  Só assim, poderemos nos reintegrar no Todo, sentirmo-nos parte da comunidade de vida e acolhidos como companheiros na grande aventura cósmica e planetária.
* Texto escrito por Leonardo Boff, escritor, teólogo e filósofo.

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

DOCE NOVEMBRO