segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Não à arrogância da Midiatização! Comunicação para a cidadania.


A midiatização da sociedade, de modo predominantemente vertical, começa a ter sua suposta tirania questionada. O discurso arrogante das mídias, controladas por interesses variados, começa a perder efeito em uma era de interconectividade, interatividade e instantaneidade, em que as redes sociais proporcionam o protagonismo daquilo que se chamava, nos moldes funcionalistas, de recepção.
Acrescente-se a essa constatação uma contemporaneidade em que todos os aspectos da vida organizada contemporânea são estruturados a partir de mecanismos de comunicação/informação, entre eles: a economia mundial e os mercados financeiros interligados, as migrações e seus conseqüentes processos de hibridizações culturais, a integração entre as nações diante de questões planetárias que globalizam a agenda de debates, as novas formas de relacionamentos mediadas pela tecnologia e os diversos impactos de tais fenômenos na arte, na cultura, na política, na educação, nos comportamentos e em tantos outros setores.
No entanto, a apologia à revolução comunicacional, necessita das devidas ressalvas. A ex-prefeita de Campinas, SP, Izalene Tiene, que realizou uma administração modelo na comunicação, considerou, com coerência: “Se a base econômica mundial tem produzido muito no âmbito da comunicação sem, contudo, melhorar as condições de vida das pessoas, precisamos refletir sobre as perspectivas de desenvolvimento que queremos ou que sociedade pretendemos produzir”.
É inequívoco o poder da comunicação na atualidade. Em uma análise restrita ao Brasil, o controle escandaloso das concessões de TV nas mãos de políticos e agora, com mais ênfase, de grupos religiosos é apenas um pálido exemplo. Entretanto, a força dos meios não tem se convertido em instrumento de cidadania e ferramenta de educação popular.
Em um país vitimado pela enorme dívida social, por tragédias resultantes de artifícios midiáticos - que remontam desde a época em que o General Médici (1969-1974) declarava que se sentia feliz porque “na TV Globo o mundo está um caos, mas o Brasil está em paz” - é urgente a realização da Conferência Nacional de Comunicação.

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Namorar o cotidiano





A predominância auto-biográfica nesses escritos, a busca por remexer reminiscências, parecem revelar minha alma vetusta, sorrindo como se estivesse à beira de seus 90 anos de idade. O artigo de Danuza Leão, na Folha de São Paulo, do último domingo, evocou novamente recordações e trouxe à lembrança uma herança de comportamentos de meus dois avôs, paterno e materno, especialistas na arte de namorar as pessoas.
Em um texto delicado, singelo, sem maiores pretensões, a colunista defendeu a necessidade de adotamos uma espécie de namoro, mas sem a conotação sexual. “Uma coisa leve, de um charme suave que deveria existir entre todas as pessoas, em todos os momentos do dia”, explica. A cronista ilustra algumas situações, devidamente amaciadas pelo comportamento namorador, como a de alguém que senta num bar e substitui a cara amarrada pelo sorriso ao pedir: “será que vocês têm aqueles cajus maravilhosos para eu tomar a melhor caipirinha da cidade?” Ou ainda o episódio ocorrido com uma amiga que, no aeroporto de Roma, pediu uma água mineral e quando perguntou ao garçon quanto era, ouviu: “Para você, 400 libras”. Danuza, em texto próximo de uma conversa íntima entre mulheres, comentou que tudo bem que ela tinha marido, filhos, embarcando pra casa e não tinha a menor intenção de largar tudo para o alto e viver um romance, mas que gostou, ah, gostou...
A crônica me lembrou a herança de delicadeza deixada pelos meus avôs, Santos Melo e José Bezerra. Raimundo Martins Melo, o meu vovô Santo, ganhou o apelido em seu município, na Baixada Maranhense, por ser tão generoso, a ponto de ser chamado de Santo, Seu Santo. Afetuoso ao extremo, na minha infância, ele trazia chocolates e doces do interior e conversava horas comigo com um carinho transcendental. Lembro dele com uma nota de um cruzeiro na mão, explicando para mim a cultura da inflação entranhada no Brasil, assim: “antigamente, filhinha, essa nota dava para comprar 10 bois!”. Quando eu era castigada pela danação que belisca minha personalidade até os dias atuais, ele dizia: “Seu avô não quer mais ver você de castigo”. O meu avô José de Paula Bezerra, ainda entre nós, com seus 94 anos de idade, nos seduz com pastilhas, frutas, bolos para levarmos para casa. Possui, no próprio nome, a virilidade do José e a sensibilidade feminina de Paula. Com hábitos de monje, Vovô Bezerra acorda todos os dias às 5 da manhã, vai ao Mercado Central, local onde é tão pop star quanto um Michael Jackson. Ao acompanhá-lo, certa vez, fui apresentada a todos os feirantes do mercado, com todo aquele orgulho de avô, quando escutei de uma dona de boxe: “ah, esse aí é meu noivo”. Fácil descobrir o motivo, observando o jeito especial de meu vovô namorar as pessoas.
E, afinal, ser gentil, ter chamego no olhar e namorar, com cada gesto ou palavra, são poderosos afrodisíacos na lua de mel de quem vive um caso de amor com a vida. E ainda, como ensinou Danuza: “namorar, sempre, e sem nenhuma conotação sexual, Porque com essa conotação, fica melhor ainda”.

terça-feira, 13 de outubro de 2009

Terra das palmeiras onde vivem algumas avestruzes


Os últimos anos, marcados pela sucessão de acontecimentos políticos que expuseram, para todo o País, as vísceras do Maranhão, tiveram também a providencial utilidade de serviram como um soco na apatia generalizada aqui instalada. No entanto, na terra onde rezam lendas de serpentes e carruagens mal assombradas, ainda predominam versões fantasiosas e interpretações superficiais em torno da árida realidade social do Estado.
A ratificação de tais constatações é resultado da minha participação, na semana passada, na VI Jornada Maranhense de Sociologia e no II Seminário Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente, realizados pelo Departamento de Ciências Sociais da Ufma. A discussão de pesquisas e exposição de temas relacionados aos impactos contemporâneos dos chamados grandes projetos de desenvolvimento, particularmente no Maranhão, evidenciou a consolidação de um importante pólo de estudos de tais questões, lamentavelmente separado por um enorme fosso entre Universidade e sociedade.
Questões fundamentais à agenda de desenvolvimento do Estado foram trazidas à tona, sem que a Imprensa tacanha local sequer tivesse a mínima curiosidade de pelo menos passear pelo evento, um celeiro de importantes pautas. A minha vergonha pela omissão dos colegas de profissão, na situação de jornalista acanhada diante de jovens de 20 anos que relatavam, com entusiasmo, suas experiência em pesquisas de campo relacionadas a migrações de trabalhadores e outros problemas sociais, só não foi maior porque tive a alma lavada pelo coordenador da iniciativa, o professor Doutor Horácio Antunes de Santanna Júnior que, no encerramento, clamou: “A sociedade não pode fazer coro à louvação que a Imprensa local e as autoridades fazem destes projetos”.
Só para pontuar a consistência do tema, revelo alguns dados devidamente colhidos pela saudade de voltar a ser repórter: o município de Timbiras é o maior pólo de trabalhadores rurais que migram para as lavouras de cana de açúcar para São Paulo; o assorreamento da Baía de São Marcos, por lixo de navios e outros resíduos, já avança a margem de 2 Km; a monocultura de soja e eucalipto que só serve às mineradoras, se alastra pelo interior do Estado com efeitos danosos, a hidrelétrica de Estreito só emprega 9% de mão de obra maranhense e muitas outras informações que denunciam um processo saqueador adotado nos tais projetos de desenvolvimento. Sobre a propalada Refinaria, a história parece próxima daquela notinha de um famoso colunista social maranhense que, na década de 80, início da implantação do projeto da Base Espacial de Alcântara, profetizava “naves espaciais” e “hotéis intergaláxicos”. Para a nossa desgraça, o Maranhão bocejante da serpente adormecida está mais próximo dos Flintstones do que da família Jetson.

terça-feira, 6 de outubro de 2009

Mercedes Sosa: um hino à vida







Mercedes Sosa é parte fundamental do mosaico de minhas memórias de infância, que guardam também um Chico Buarque ainda estreante nos festivais de musica, o Milton Nascimento das Gerais, misturados aos personagens de Monteiro Lobato, Malba Tahan e tantos outros. Aquela voz rascante que saía da radiola de casa, cantando Volver a los Dezessiete se confundia ao cheiro da cerveja de papai aos sábados, às tintas de canetas esferográficas vermelhas que corrigiam provas de alunos e a um universo determinante na formação de quem eu sou.
A morte da cantora argentina, ao contrário do significado fúnebre, me trouxe de volta o furor de uma lembrança de vida, uma emocionada certeza da necessidade de repetir, incessantemente, outra de suas interpretações, Gracias a la vida, uma oração em forma de música. Agradecer à vida por ter nos dado tanto, como canta Sosa, é um modo de compreender a sacralidade da existência e reafimar a conexão com tudo aquilo que nos nutre e nos mantém vivos. Na composição de Violeta Parra, ela agradece à vida pelos ouvidos, pelos olhos, pelo coração, pelos pés cansados, pelo riso e pelo pranto, impregando de poesia o ato de existir e depõe: “Agradeço à vida por ter me dado tanto, me deu o ouvido que, com sua largura grava noite e dia, grilos e canários martelos, turbinas, latidos, chuviscos e a voz tão doce do meu bem-amado...”
Em Volver a los Dezessiete, a alquimia dos dias que opera transformações no laboratório do tempo: “Tudo muda a todo momento, qual mago condescendente nos afasta, docemente, de rancores e violências. Só o amor com sua forma nos transforma tão inocentes”.
Mercedes ficou conhecida como a voz dos sem voz, cantando em defesa dos pobres e injustiçados. Vítima das arbitrariedades da Ditadura, chegou a ser presa no palco, durante um show. A grande representante do movimento musical Nueva canción, com raízes africanas, cubanas, andinas e espanholas, cantou seu próprio legado em Solo le pido a Dios: “Só peço a Deus que a dor não me seja indiferente, que a ressequida morte não me encontre, vazia e só sem ter feito o suficiente” - manifesto dos que se recusam à mera satisfação apequenada de seus desejos pessoais e crêem que a Vida há sempre de se impor de maneira maior, na grandiosidade de um projeto de felicidade coletiva.

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Cemitério de amores perdidos





Reli, por acaso, um texto antigo do escritor João Silvério Trevisan em que ele menciona possuir no armário um envelope de nome cemitério de amores, com declarações, cartas de amor, fotos e lembranças afins de relacionamentos passados. O texto me devolveu à lembrança uma carta que guardei na carteira, durante anos, escrita por um dos meus primeiros amores (assim mesmo: no plural, em uma construção que remete à idéia nupcial, o ineditismo próprio da natureza amorosa a provocar sempre a sensação de primeira vez). A letrinha escrita à mão dizia, em impecável retórica: “o que dizem que é pouco amor por mim eu prefiro achar que é muito amor por ti”. Dois anos depois, numa heróica tentativa de transformar o que havíamos vivido, escrevi um poeminha franzino, com jeito adolescente, que celebrava o fim daquele romance, assim: “...do meu lixo interior ao papel da poesia.” Quase 20 anos depois, ainda guardo esse amor como um troféu, transmutado pelos anos com ingredientes que ganharam novo sabor, sob o fogo brando da ternura, do respeito, da sinceridade e da admiração mútuas. A ele dedico esse alinhavo de texto e confissão. O novo formato de amizade e amor lembra a canção de Caetano: “...Assim como o amor está para a amizade e quem há de negar que esta lhe é superior?...”
Mencionar cartas de amor, heróicas tentativas de tornar belos momentos que tropeçaram em situações feias soa até anacrônico numa época em que namorar só faz sentido se for para exibir como uma roupa nova de última moda, comprada nos shopping centers das boates e bares, com suas ofertas variadas, algumas até em promoção. Não é à toa que proliferam publicações do tipo Caras (de pau?), Contigo (comigo não, violão!), Quem (como assim?!?) cujas linhas editoriais privilegiam a vulgarização da intimidade alheia. Embora diante de tais comportamentos moderninhos, por vezes eu me sinta como uma freira em trajes íntimos, em plena praia de Ipanema, prefiro frequentemente minhas festinhas na abadia e as alegrias do meu mosteiro.
Apesar do título da postagem, amores não se perdem e nem são enterrados em cemitérios, eles permanecem. Ego, vaidade e interesses mesquinhos travestidos de paixões equivocadas, sim, merecem um túmulo. Bom mesmo é depois do enterro, olhar para trás e concordar com Aldous Huxley: “Experiência não é o que acontece com você, mas o que você fez com o que lhe aconteceu”.