terça-feira, 28 de setembro de 2010

Maranhão em Estado de Alerta

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Horário Eleitoral: Sessão da Tarde ou Vale a Pena Ver de Novo?



No clássico Mitologias, o francês Roland Barthes fornece as chaves para os que se propõem a uma compreensão mais apurada dos rótulos, embalagens e conteúdos dos discursos eleitorais na propaganda eleitoral no rádio e na TV.

O capítulo com título O Mito é uma Fala Despolitizada, revela: “a função do mito é evacuar o real”. Nenhuma constatação inédita a de que, a maioria dos marqueteiros, direciona suas estratégias no sentido de mitificar candidatos e políticos. 

O caldeirão cultural brasileiro - com cultos a santos padroeiros, festas religiosas e outras formas de adoração - é ambiente propício para a frequente necessidade popular por supostos "salvadores da Pátria" na política nacional. O filme Lula, o filho do Brasil, e o controvertido "fenômeno de popularidade" do atual presidente da Nação não fogem à regra do argumento aqui exposto. Adiciona-se a isso o consenso, quase generalizado, de que a mídia é um lugar de produção de imaginários.

Barthes, no entanto, anuncia que “estatisticamente, o mito se localiza na direita”. Mas é notável a adoção de sentenças e construções discursivas despolitizadas, tanto em candidatos da direita, quanto de esquerda, nas eleições para o Governo do Maranhão. Os candidatos Flávio Dino (PCdoB) e Roseana Sarney (PMDB), adversários ferrenhos na disputa pela cadeira no Palácio dos Leões, rugiram no mesmo timbre de “fala despolitizada”, alinhados no arremedo de expressões como: “Chega de Briga”, “Quem perde é o povo”.

O truque retórico, retirado de pesquisas qualitativas, é reducionista e reforça a despolitização generalizada da população, empurrando para debaixo do tapete, questões mais complexas sobre a atual cena política maranhense. O “Chega de Briga” equivale ao “Político é tudo igual”, expressões que revelam a ausência de educação política, indisposição nos eleitores para análise do comportamento de cada candidato e avaliação dos representantes que já exercem mandatos.
Para Barthes, “o mito faz uma economia, absorve a complexidade dos atos humanos (...) e organiza um mundo sem contradições, porque sem profundeza”.

Mas é a doutora Vera Chaia, livre docente em Ciências Políticas (PUC/SP), em entrevista sobre a influência da mídia e dos poderes econômicos nas eleições, quem levanta o véu da questão. No jornal Le Monde Diplomatique Brasil, ela sublinha: “Existem certas estratégias de campanha que você deve obedecer. Se você é oposição, você tem que ser oposição. Se você é situação, você tem que ser situação. Não dá para contemporizar porque o eleitor percebe”.

Agora, na reta final para o dia três de outubro, resta saber o que o eleitor preferiu assistir no horário eleitoral na TV e no rádio. Sessão da Tarde ou Vale a Pena ver de Novo?


domingo, 19 de setembro de 2010

Feridas da Alma


Não tenho por costume cultivar feridas na alma que, vez por outra e inevitavelmente, desabrocham durante o trajeto da existência. De modo terapêutico, coloco Piazolla e afins para tocar, inebriando a sala de uma embriaguez particular, até exaurir o debulhar de lágrimas inúteis. Ou adoto ainda períodos de hibernação necessária, ordenando as gavetas onde devem ser retirados os sentimentos que não mais servem para uso, tentando vestir alguns com pontuação mais adequada e examinando, com cuidado, o que ainda me cabe ou não. Certas vezes, só restam farrapos, é verdade.



Os exercícios de auto-conhecimento, iniciados há alguns anos com auxílio da paulista Julianne Prietto Peres Mercantes, têm surtido algum resultado satisfatório. Gosto de aconchegar-me a mim mesma, de ouvir a voz dos meus pensamentos ao manter diálogos proveitosos comigo, de ter a tranqüila sensação da transitoriedade da experiência no corpo de carne, como um vôo panorâmico a proporcionar uma visão mais ampla das coisas que, de vistas de cima, parecem tão pequenas. É algo semelhante à frase da mexicana Frida Khala: “pés para que me servem, se tenho asas para voar?”



Além disso, lá fora há o espetáculo da vida generosa, jorrando abundantemente, como ensina o Mito da Caverna de Platão, do qual grande parcela da humanidade, enclausurada, insiste em tornar-se refém. Prefiro adotar como mantra pessoal, a frase de bolso de Tom Jobim, das minhas preferidas: “Sou um aprendiz de ternuras”. As feridas sangram, é fato, alguns anestésicos têm efeito de curta duração, as amarguras haverão de deixar um ranço na boca por algum tempo. Mas haverá sempre uma lua crescente, surgindo do telhado de algum casarão no Centro Histórico, os ventos de agosto e setembro a eriçarem o mar do Maranhão, com suas ondas que vêm e vão, no compasso dos acontecimentos. O imprevisível há de, eventualmente, tornar-se visível em algum canto escuro. A delicadeza de alguns há de triunfar sobre a indiferença e o medo, os dois maiores inimigos do amor, segundo Leonardo Boff, mestre e porta-voz da sacralidade da vida. A etimologia faz sentido. A palavra afeto orgina-se do latim “affetare” e significa ir atrás.



 




Artigo de Flávio Reis sobre o jornal VIAS DE FATO




VIAS DE FATO: UM ANO MEMORÁVEL*
                                           Flávio Reis** 

O aparecimento do jornal Vias de Fato em outubro do ano passado foi uma grata surpresa que tomou de assalto nosso ridículo meio jornalístico. Na primeira edição, a chamada da entrevista com o juiz Jorge Moreno estampava logo uma daquelas afirmações certeiras que seria uma marca do jornal: “O Poder Judiciário Não Tem Legitimidade”. A entrevista era um retrato excelente do controle oligárquico inescrupuloso do poder judiciário no Maranhão, da conivência com todo tipo de corrupção, distanciado da sociedade e sempre veloz para se voltar contra os movimentos sociais.


Mas outros textos não ficavam atrás, uma ótima reflexão de Wagner Cabral sobre a “cultura da libertação”, contraponto oposicionista de um jogo político que se desenrola nos marcos da estrutura oligárquica, Eduardo Júlio escrevendo sobre os primeiros tempos do Cine Praia Grande, Ricarte Almeida falando da experiência “Clube do Choro Recebe”. Destacava-se ainda uma matéria forte sobre violência no campo e uma sátira irada de Cesar Teixeira, intitulada O Banquete Execrável, onde os convivas “devoram com avidez as costelas indigentes da ética e do decoro” e “o mais reles papel cabe ao presidente Lula, espécie de czar naturalista especializado em mimar camaleões de bigode”. Na verdade um texto livre que tornava o conjunto mais surpreendente, antecipando de forma precisa como “durante o banquete que atravessará as eleições de 2010 tudo será permitido”.



Nos números seguintes logo se verificou que a estrutura da publicação já surgiu bastante nítida. Temas: direitos humanos, conflitos agrários, defesa do meio ambiente, movimentos sociais, cultura popular, luta contra a corrupção e o poder oligárquico. Destaques: uma seção de entrevista, realizada sempre com muita competência; artigos de colaboradores variados, em geral pesquisadores e pessoas ligadas às lutas sociais; uma matéria realizada pelos editores, encontro direto com nossa realidade de miséria e desmandos.



Em onze edições, pequenas amostras da crise social e política em que se encontra mergulhado o Maranhão. Lucidez e contundência nas entrevistas de Palmério Dória, afirmando que “a desmoralização da nossa democracia não tem limites”; de Dom Xavier Gilles, categórico sobre o que o nosso poder judiciário finge desconhecer, “latifundiário é ladrão”; de Manoel da Conceição, um histórico olhando com decepção o rumo tomado por Lula, em acordo com as oligarquias; de João Pedro Stédile, “o Maranhão tem a maior concentração fundiária do mundo”; de Vila Nova, dando o nome certo de máfia para as redes de poder, explicando tudo numa verdadeira aula; de Wellington Resende, auditor da CGU, escancarando nosso segredo de polichinelo, “elite maranhense vive da corrupção no setor público”; da constatação de Maristela Andrade, “a elite do Maranhão não gosta de seu povo, eles querem a cultura apenas para servir a seus interesses”; ou da velha verdade dita com força pelo padre Victor Asselin, “discutir a questão da terra é fundamental para o futuro do Maranhão”.



Os artigos trataram de temas variados, mas sempre urgentes, como o colapso do abastecimento de água em São Luís, o impacto ambiental dos projetos anunciados pelo governo federal, o trabalho escravo nas fazendas, os escândalos do judiciário maranhense, o cerco do capital sobre o direito das quebradeiras de coco babaçu à terra livre, o plebiscito pelo limite de propriedade da terra, entre outros.



As matérias de responsabilidade da editoria, por sua vez, foram ao encontro do “Maranhão profundo”, aquele invisível, mantido cuidadosamente distante pela imprensa oligárquica. Aí temos, em cores vivas, os quadros da nossa barbárie cotidiana, a violência dos madeireiros na região de Buriticupú, em conluio com as autoridades locais e os responsáveis pela fiscalização, a luta dos Awa-Guajá pela delimitação de suas terras, num conflito que já comportou de tudo, desmatamento, extração ilegal de madeira, construção de carvoarias e estradas clandestinas, milícias armadas e o progressivo extermínio de um povo nômade, cuja existência chegou mesmo a ser negada pelo prefeito de Zé Doca, ou as arbitrariedades ocorridas depois dos acontecimentos de 1º de janeiro de 2009 em Santa Luzia do Tide, quando uma multidão estava acampada para protestar contra a diplomação do candidato derrotado e um incêndio mal explicado tomou os prédios da Prefeitura, Câmara e Fórum. A repercussão foi grande, nacional, mas nada soubemos sobre os desdobramentos posteriores, exemplo típico do que ainda continua sendo a lei no Maranhão, fonte de arbítrio, perseguição e vingança.



Por outro lado, temos as cenas do dia 15 de abril em algumas cidades do interior, data limite para os gestores públicos disponibilizarem a prestação de contas para apreciação da sociedade. Os relatos sobre as mobilizações em Lago do Junco, Cantanhede, Codó, Santa Luzia do Tide e Miranda do Norte, com a população exigindo saber como foi gasto o dinheiro, apontam para algo realmente interessante, que, se estimulado, será uma fonte de pressão importante na luta contra a corrupção. Escândalos com o dinheiro público não faltam e o jornal lembra o velho sorvedouro do “Projeto da EMSA”, com vistas à irrigação no Baixo Parnaíba, criado ainda no período de Sarney na presidência e que vem atravessando os governos como saco sem fundo, no conhecido estilo para e recomeça, estando agora previsto um investimento de mais de 180 milhões através do PAC.



A crueza e a qualidade que aparecem nas poucas páginas do Vias de Fato são evidentes e o contraste com o tipo de jornalismo mais freqüente por estas bandas, total. Perdido entre o noticiário distorcido que é a tônica do Sistema Mirante e a submissão do antigo Jornal Pequeno às conveniências dos grupos de oposição oligárquica, o que já era ruim parece ter ficado pior. Uma autêntica briga de comadres, movida a muito disse-me-disse, temperada por um colunismo medíocre, sem exceções, incapaz de ir além do chavão e da propaganda política.



São jornais que se lê em poucos minutos e ainda fica a sensação de perda de tempo. Um jornalismo que se alimenta de si próprio, de suas futricas e vaidades, centrado em São Luís, ou melhor, em alguns poucos bairros da cidade (agora também em alguns blogs...), distanciado da sociedade e no fundo parecendo cumprir a função de esconder o Maranhão dos maranhenses. Ataques e acusações, mas quase nunca crítica política digna desse nome, aliada à exaltação repetitiva da natureza, da cultura popular e da mitificação histórica, eis a fórmula comum aos nossos jornais. Podem até falar uma coisa ou outra dos problemas da cidade, comportar alguma denúncia, reclamar da insegurança, mas séries de reportagens, exploração mais circunstanciada de temas, cruzando informação e reflexão, o link necessário entre pesquisa e jornalismo, capaz de motivar o debate público, nada disso existe. O resto são as doses diárias de uma violência exposta sem nenhuma discussão, carne pendurada em açougue para consumo de massa.



Vivemos num estado marcado pela carapaça mítica engendrada ainda no século XIX em torno de sua capital, cujo signo maior era o sempre repetido bordão da Atenas Brasileira, sem esquecer a fundação francesa de araque, inventada posteriormente, e que agora ganhou novos contornos com o título a ela concedido de patrimônio da humanidade, aliado à imagem recente dos Lençóis como maravilha da natureza. Por trás disso, o Maranhão é na realidade uma espécie de eterno campeão de estatísticas negativas. Terra de violência e miséria, permeada por desmandos de uma estrutura de poder que se mantém há décadas, é a imagem acabada do atraso no mosaico brasileiro. Isto é, a imagem que os outros fazem de nós, porque a visão que continuamos a cultivar permanece embaralhada por um sentimento de grandeza, na verdade mais ludovicense do que propriamente maranhense, mas de qualquer forma largamente predominante, seja no jornalismo, na publicidade, nas academias ou universidades. É um sentimento de exaltação incutido pelas nossas elites, avesso a qualquer crítica.



O Vias de Fato não aceitou esse jogo, colocando-se numa linha crítica visceral, sem a canga costumeira dos grupos políticos, vale dizer, das máfias, apostando numa articulação mais ampla e descentralizada, envolvendo movimentos sociais e criando um espaço de disseminação de informações, aberto a contribuições de viés acadêmico, mas com teor combativo, como exige o momento e ficou bem explícito desde o primeiro editorial. O que apareceu foi um Maranhão diferente do que é vendido cotidianamente nas páginas dos jornais e nos noticiários. Coerente com as idéias professadas de um jornalismo comprometido com as causas populares, encampou decididamente a movimentação do Tribunal Popular do Judiciário, experiência única de denúncia de juízes e promotores a partir de depoimentos colhidos livremente, participa da Campanha Nacional pelo Limite da Propriedade da Terra e esteve na caravana que foi acompanhar o julgamento do último e principal acusado do crime da missionária Doroty Stang.



Na recente campanha eleitoral afirmou que não tomaria partido entre os candidatos da oposição, mantendo firme a posição de que a luta contra a dominação oligárquica passa necessariamente pela luta contra o sarneysismo. Claro e direto, sem deixar de ser plural. Homenagens também ocorreram, sempre em textos de qualidade, sobre João do Vale, Maria Aragão, Dona Lili, Escrete, e, no último número, Magno Cruz, uma pilastra fundamental das lutas sociais contra a discriminação racial e a defesa dos direitos humanos que ruiu numa dessas surpresas silenciosas da vida, evocado por Cesar Teixeira em página carregada de emoção.



Recentemente o jornal passou a contar também com página na internet, contendo arquivos dos artigos publicados, algumas reportagens e postagem de notícias, comentários, denúncias, além de links para os sites do MST, CPT, Fórum Carajás, Tribunal do Judiciário, Sindicato dos Bancários. Na situação que hoje se desenha, espaços de crítica como este terão um papel cada vez mais importante.



Lula manteve a tradição e comanda a locomotiva da oligarquia em vários estados, mas preparando-se para usufruir de uma herança política perversa, construída com a desmobilização e a cooptação de movimentos sociais e o desmantelamento do frágil sistema partidário, sem falar na destruição do próprio PT enquanto força democrática, cada vez mais submetido às conveniências do “lulismo” (a sua mitificação como novo pai dos pobres), encapsulado em redes obscuras, pronto a se unir a antigos beneficiários do atraso e apresentar vários “honoráveis bandidos” na televisão como verdadeiros baluartes do espírito público e promotores do desenvolvimento em suas regiões, reproduzindo cinicamente a velha aliança com a fisiologia, que continua a ser colocada como a “única forma possível de governar o Brasil”, exercendo, enfim, o realismo dos aproveitadores e saltando sobre o Estado com a gula dos que tem fome de poder e mando. Neste contexto, República pode virar apenas uma palavra, ainda mais vazia do que já é. Uma triste reafirmação da nossa longa tradição patrimonialista, na qual sobretudo o poder político deve ser utilizado como espólio do vencedor.



Resta uma saudação calorosa aos editores Cesar Teixeira e Emílio Azevedo, que vem levando esta experiência urgente de informação engajada com extrema dificuldade, mas, acima de tudo, muita garra e competência. Além da expectativa positiva de que o jornal consiga se afirmar como espaço de discussão diversificada, capaz de exercer de maneira criativa a função dinamizadora da informação na luta contra a espoliação e o arbítrio.







* Artigo publicado na 12º edição do jornal Vias de Fato.



**Flávio Reis é professor da UFMA. Publicou o livro Grupos Políticos e Estrutura Oligárquica no Maranhão.






sábado, 18 de setembro de 2010

QUALQUER SEMELHANÇA...

domingo, 12 de setembro de 2010

VIAS DE FATO já nas bancas


A cada nova edição, há de se enaltecer uma publicação com a coerência editorial e a coragem do jornal VIAS DE FATO. O projeto, levado adiante por Emílio Azevedo e César Teixeira - com articulação de Alice, Elmo e Altemar - é um tapa na cara de botox da mídia do Maranhão.

Raríssimas e honradas exceções, como a publicação citada, ainda conseguem diminuir a vergonha nos que optaram pela carreira de jornalista, diante dos excrementos expelidos, diariamente, por certos pulhas que, a pretexto de exercerem o ofício jornalístico, comportam-se como fantoches de seus patrões e das cédulas de dinheiro que recebem, de modo clandestino, para fazerem “servicinhos extras”, tais como: lustrar a imagem já desgastada de certas personalidades, enxovalhar reputações, emitir seus julgamentos autoritários, como "coronéis" das próprias versões fantasiadas de "notícias".

VIAS DE FATO é uma outra via ao jornalismo maranhense, de fato. E faz jus àquela frase de Cláudio Abramo, que aqui neste feudo de comunicações oficiosas, parece dita em um dialeto incompreensível:

"O jornalismo é, antes de tudo e sobretudo, a prática diária da inteligência e o exercício cotidiano do caráter".




quinta-feira, 9 de setembro de 2010

O circo eleitoral







14% dos 4,3 milhões de eleitores do Maranhão são analfabetos. Ou seja: nada menos que 620 mil eleitores maranhenses não sabem ler e nem escrever. A constatação seria alarmante, se não fosse ainda mais gritante a relação entre a baixa escolaridade e a vulnerabilidade a manipulações de toda espécie.


Qualquer cidadão com um razoável bom senso e com um grama de sensibilidade deve sentir asco diante da deprimente cena de moças que seguram bandeiras de candidatos, sob o sol escaldante desse Maranhão de meu Deus, em pleno domingo ou feriado, e ainda nas rotatórias calculadamente floridas do Calhau ou do Olho d´água, em São Luís.
São meninas ou rapazes que poderiam estar em casa, estudando para alguma prova na faculdade ou descansando da semana de trabalho - mas que, sem emprego e acesso à educação, precisam dos vinte reais pagos pelos candidatos que estão aí, prometendo há décadas, todo o Pacote Dignidade, assegurado pelas letras mortas da Constituição Federal deste País de desletrados.

Um breve deslocamento do terreno literário para entrar na fundamentação, com base na realidade maranhense, mostra que, segundo dados do Ipea (Instituto de Pesquisas Aplicadas do Maranhão), em 2002, o Maranhão apresentava a seguinte situação: a menor taxa de escolaridade média do País, apenas 3,6%; menos de 3% da população tinha acesso ao Ensino Superior e, para atingir a média nacional de acesso ao Ensino Fundamental, o Estado levaria 17 anos!

Ainda dentro do tema, cabe a atemporalidade de Gramsci, ao considerar a mídia como o grande partido da burguesia. Nenhuma novidade o fato agravante de que, no Maranhão, 90% do território é coberto por meios de comunicação controlados por um único grupo político.

Deixando os referenciais teóricos para uma próxima oportunidade, é óbvio que os interesses políticos nem sempre coincidem, exatamente, com a construção da cidadania e o aperfeiçoamento do processo democrático. O resultado aparece nas urnas com freqüência: quanto menor o nível de escolaridade do município, maior é a votação nos grupos políticos mais conservadores. Quanto menor é o acesso à educação, mais vulnerável fica o eleitor, mais facilmente manipulado no seu direito à livre escolha na hora de votar.

E nem precisa explicar o carnaval forçado nos programas eleitorais na TV, os bandeiraços deprimentes, os carrões importados com os espalhafatosos retratos dos candidatos (cujas caras não tremem), e o circo ridículo em que as eleições foram transformadas, no Maranhão e no Brasil.

Não é à toa que o palhaço Tiririca é o candidato com maior recall em 2010.






quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Ópium


Em cartaz recente, em minha cinefilia doméstica, um drama com pinceladas eróticas Ópium: o Diário de uma Louca, uma produção húngaro-alemã, dirigido por János Szász. O filme é ambientado no inicio do século XX, na Hungria. Josef Brenner, escritor e médico, viciado em morfina, trabalha em uma clínica psiquiátrica, e vem sofrendo de um bloqueio mental, sendo incapaz de escrever uma única linha. Ele interessa-se, particularmente, por uma jovem paciente, Gizella, de 28 anos, que é dominada pela esquizofrenia, associada à mania de escrever de modo obsessivo, compulsivo, aterrorizador.

O médico, com déficits de inspiração para produzir uma nova obra, volta-se completamente para o farto universo da escrita desconexa e fragmentada da paciente. O interesse extrapola os limites éticos da profissão e Brenner apropria-se de seus escritos, possuindo também o corpo da jovem. Em um “surto” de sanidade, Gizella alardeia durante uma refeição coletiva no manicômio, que vai se casar com o doutor, deixando no ar a suspeita de que o psiquiatra havia ido muito além da relação médico e paciente.

A cena que antecede o final do filme resume a crueldade da posse. O médico, com a paciente no leito, faz a intervenção cirúrgica denominada “lobotomia” (mais apropriadamente chamada leucotomia), interrompendo as ligações cerebrais, supostamente causadoras da esquizofrenia.

Ópium é uma dose cavalar aos espectadores de olhos esbugalhados às hipersignificâncias cinematográficas. O filme mistura conotações e denotações e vai além dos sentidos, superficialmente detectados. Amor, sanidade e insanidade em uma mistura opaca ou translúcida? Gozo e morte (“pequena morte”, dizem os franceses...)? A cura que adoece e mata? Em mais um versão que repete a tradição shakespeareana do fracasso amoroso, no filme, Brenner apropria-se, sem compaixão, dos escritos da moça para escrever seu livro. E rouba, com crueza, o frágil e, quiçá, único fio de ligação dela com o mundo dito são: o desejo de um amor, tão predominantemente feminino.