sábado, 7 de maio de 2011

Mochileira da Existência


A sabedoria cigana diz que viajar é um ato mágico. Rabisco na minha caderneta de Cartas para Mim sem Fim, meus poemas e dilemas, textos e pretextos, bulas de remédio e simpatias contra o tédio. O que agora salta para a tela de computador surgiu durante uma viagem, entre tantas que me levaram durante o ano de 2007. A mais arriscada de todas elas teve como destino o meu próprio Eu, graças ao passaporte cedido pela Dra. Julianne Prietto Peres Mercante.

Viajar resume a tradução complexa do que seria a Vida, no sentido de movimento. Schopenhauer, em Aforismos para a Sabedoria de Vida, destrincha em boa parte da obra a afirmação de Aristóteles de que a vida consiste em movimento e nele tem sua essência. O filósofo menciona que: “em todo o interior do organismo há impera um movimento incessante e rápido. O coração em sua complicada e dupla sístole e diástole, bate de modo veemente e incansável (...) O pulmão bombeia sem interrupção como uma máquina a vapor. Os intestinos se contraem continuamente. Todas as glândulas absorvem e secretam, constantemente, mesmo o cérebro tem um movimento duplo para cada pulsação e cada aspiração”. Embora tido como pessimista, Shopenhauer prescreve o antídoto para o caráter imobilizador da tristeza: o movimento.

O devassar de lugares, o caminhar, o ir e vir, o poder de sentir-se nas entranhas do mundo, sentir o cheiro das cidades, a arquitetura dos tipos físicos, a música dos sotaques. A chegada e a saída compondo os movimentos de uma coreografia do existir. A busca externa para a percepção dos labirintos interiores, o degustar com os olhos.

A contemporaneidade esgarçada oferece um cenário ainda mais fascinante aos andarilhos como eu, já devidamente autodenominada de Mochileira da Existência. O mundo transmutou-se em um caleidoscópio de formas indefinidas e mutantes. A convulsão que eclode o cenário atual é caracterizada por um fenômeno que provoca, tanto o hibridismo de culturas antes aparentemente uniformes, quanto o surgimento de ricas multiculturalidades – conforme a arguta análise do antropólogo argentino Nestor Canclini.

Nos meus devaneios tão frequentes, já quis fundar uma cidade que reunisse as características da fantástica Macondo, de Garcia Márquez em Cem Anos de Solidão e da permissiva Pasárgada, de Manuel Bandeira. A minha cidade proustiana seria a síntese de todas as cinquenta e cinco Cidades Invisíves de Ítalo Calvino e haveríamos de atentar para o que disse o autor: “As pessoas querem aprender a nadar e ter um pé no chão ao mesmo tempo”.

Hoje, sempre que me liberto de certas algemas mentais, deixo-me apreciar cada lugar especial, cada situação, cada habitante dessa viagem pela eternidade, acreditando na verve de Fernando Pessoa, de que “para viajar, basta existir”. Ao fundo a batida pop rock, canta aos fracos que vieram ao mundo e perderam a viagem. Utilizo como uma prece, a frase do ateu Saramago "Nossa maior tragédia é não saber o que fazer com a vida”. Até a próxima escala!










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