quinta-feira, 25 de novembro de 2010

A nobreza do silêncio


A lua brilha porque alta vive” - repetiu os versos de Fernando Pessoa, numa tradução pessoal, translúcida. Ela costumava utilizar o silêncio como abrigo, em uma espécie de culto, durante suas práticas para acolher a si mesma. Dizia que era protegida pela nobreza do silêncio, nos momentos ensurdecedores, quando punhais afiados perfuravam seu coração. Os dedos miúdos, feito pincéis, folheavam o Alcorão, a Sutra Sagrada, jogavam I Ching, na busca frenética por um lenitivo para a angústia tão estranhamente familiar. Na Bíblia, encontrou apenas vestígios que a remetiam novamente às capsulas de silêncio que engolia para aliviar o ardor: “o mal não merece comentário em tempo algum”. Repetia baixinho.

O silêncio é uma orquestra – elaborou ao apreciar melodias mudas em perfeita harmonia a bailarem agora em seu pensamento liberto. A menina temia os ruídos. O tumulto provocava feridas em seus ouvidos frágeis e calava o fiapo de voz que nela restava.

Eles não sabiam, mas ela carrega uma nostalgia encolhida na alma, caminhando amedrontada por entre restos mortais de corpos insepultos, após a Guerra. Destroços. Cadáveres mutilados. Populações inteiras arruinadas. Uma civilização desaparecida.

O rugido dos estilhaços cedera lugar ao silêncio triunfante. Cessavam as respirações ofegantes. Apenas nublava, onde outrora chovia, torrencialmente, no céu de pano. Não havia mais asperezas na alma que emergiam à superfície. Sem mais tormentos a transfigurarem-se nos vermes que passeavam em suas circunvoluções cerebrais. Somente a plenitude, silenciosa, reinava absoluta, feito musgo em pedras.

A solidão se aconchegava à mansidão e caminhavam juntas, entrelaçadas, vitoriosas. A menina, então, mergulha na imensidão do silêncio. Surda aos gritos, abafados pela distância dos dias a atravessarem o eco do tempo.

2 comentários:

  1. Amiga a tua elegância me comove e o nome dela é SILÊNCIO. Estupidez acreditar que alguém possa mencionar algo ao teu respeito. A tua dignidade é maior. Estarei sempre ao teu lado. (Ana)

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  2. QUALQUER SEMELHANÇA COM FATOS OU PERSONAGENS DESSE CONTO, É MERA CONVERSÃO EM DILETANTISMO LITERÁRIO.

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