segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Amor: gênero literário?


Não deve existir sentimento que reúna uma multiplicidade maior de clichês do que aquele cuja temática é objeto incansável e atemporal na história da humanidade: o amor. Ortega y Gasset escreveu que o amor parece um gênero literário. A jornalista e escritora Rosa Montero alerta:“quanto mais frustrado, mais impossível, mais irreal, mais inventado for o relacionamento sentimental, mais possibilidade tem de servir como estímulo literário”. No terreno pop, Zeca Baleiro desanca as convicções mais dramáticas, com o versinho: “morrer de amor não é difícil, se atirar do edifício, viver de amor que é difícil...”

Difícil é viver o amor. Para o exercício amoroso, muitas vezes costuma-se decorar fórmulas complicadas para aplicar aos testes mais fáceis, enfeitar o amor de trajes de gala, quando a ocasião é um simples passeio nas tardes de feriado. Quem somos, afinal, para aprisionar em conceitozinhos arrogantes, cristalizados, encarcerar nas grades mentais, em nossos padrões repetitivos, o que se chama amor? Somos todos uns déspotas, perdendo as horas que não voltam mais. Tom Jobim deve ter sentido a mesma coisa quando cantava “Insensatez” ou “Sua Estupidez”.

Ah, pieguice tão perseguida, tão indecifrável! Amor que poderia alçar vôos mais altos ou pousar, suavemente, sem o desfecho trágico de Ícaro que, apaixonadamente equivocado, voava para a própria morte, em direção contrária à liberdade. Amor que se alimentaria de gestos simples, como aquela peixada fictícia, feita de carne de sereia, cujos cantos afogam navios e destroem destinos. Ou numa viagem a Natal, quando ainda é Carnaval, até chegar a véspera da mesa farta que não sacia nenhuma fome, com migalhas arrotadas como se fossem caviar.

Em algumas desilusões amorosas, ouvi pessoas dizerem: “você vai encontrar um outro amor, logo passa”. Não, definitivamente, amor não é um pote de ouro que a gente encontra no final do arco-íris. Depois do final, tem mais e mais: potes, vasilhas, taças, xícaras, ouro, prata, cristal, bijuterias e uma enorme quantidade inutilidades. No amor, meu gênero não é mais literário, nem plural. É singular. Emaranhados não são laços. E a cada ano que passa, sinto-me cada vez mais como o Especial de Fim de Ano da Globo. Nem Lacan, nem Dostoéivski: Roberto Carlos. Amor. Simples assim!

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