quinta-feira, 2 de junho de 2011

No escuro dos nossos cinemas


Certas cenas do cinema se bastam. E empalidecem sob o efeito discursivo, sufocadas sob as grades de interpretações e leituras. Mais ainda, se forem acrescentadas de uma narrativa visual, que surge refinada pela hipnótica trilha sonora de Milles Davis. Refiro-me à cena postada abaixo, do filme Ascensor para o Cadafalso (Ascenseur pour l'échafaud ), de Louis Malle, uma pequena obra-prima da nouvelle vague francesa. 

Não resisto ao apelo das palavras e ouso prosseguir arriscando-me a destruir a estética auto-explicativa. A diva Jeanne Moreau percorre os locais da cidade, com expressão, captada pela genialidade de Malle, de uma melancolia angustiante. Caminha carregando consigo uma pungência alastradora, em adequado ambiente noturno, ao som inigualável de Davis. Quem experimentar assistir à cena sem áudio, verá que metade dos efeitos e sensações provocadas se perde.

O filme conta a história de Florence Carala, casada, mas apaixonada por outro homem, o amante Julien Tavernier. Ambos plajenam matar o marido de Florence, quando Tavernier decide buscar uma corda no terraço e fica preso uma noite inteira no elevador (o "ascensor" do título). 

A engenhosidade do roteiro emerge considerações sobre os costumeiros encontros e desencontros amorosos. A cena, citada no início do texto, é exatamente quando a personagem procura, em vão, por seu amante, que está apenas preso no elevador.


Grandes amores desfeitos por grandes enganos já preencheram páginas e páginas da mais diversificada literatura e muitos quilômetros de películas cinematográficas. A começar do shakespeareano Romeu & Julieta, que seria, para muitos, ícone da impossibilidade amorosa, mas reproduz um enorme equívoco. Romeu bebe o veneno e morre ao lado da sua amada,  adormecida. Momentos depois, Julieta acorda e vê a seu lado, o corpo morto de Romeu. O Frei entra e conta a Julieta o que se passou. Desesperada (e precipitada), Julieta pega no punhal de Romeu e se mata, sem mais motivos para viver.
A sutileza do gênio, em seu primeiro longa-metragem, talvez escondesse outras acepções. O ”cadafalso”, do título, significa aquilo que já se sabe: tablado erguido em lugar público onde eram expostos ou executados os condenados à forca. No filme de Louis Malle, o amante está preso, impossibilitado de ir adiante. Como certas prisões as quais, voluntariamente, nos recolhemos.




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