Não tenho por costume cultivar feridas na alma que, vez por outra e inevitavelmente, desabrocham durante o trajeto da existência. De modo terapêutico, coloco Piazolla e afins para tocar, inebriando a sala de uma embriaguez particular, até exaurir o debulhar de lágrimas inúteis. Ou adoto ainda períodos de hibernação necessária, ordenando as gavetas onde devem ser retirados os sentimentos que não mais servem para uso, tentando vestir alguns com pontuação mais adequada e examinando, com cuidado, o que ainda me cabe ou não. Certas vezes, só restam farrapos, é verdade.
Os exercícios de auto-conhecimento, iniciados há alguns anos com auxílio da paulista Julianne Prietto Peres Mercantes, têm surtido algum resultado satisfatório. Gosto de aconchegar-me a mim mesma, de ouvir a voz dos meus pensamentos ao manter diálogos proveitosos comigo, de ter a tranqüila sensação da transitoriedade da experiência no corpo de carne, como um vôo panorâmico a proporcionar uma visão mais ampla das coisas que, de vistas de cima, parecem tão pequenas. É algo semelhante à frase da mexicana Frida Khala: “pés para que me servem, se tenho asas para voar?”
Além disso, lá fora há o espetáculo da vida generosa, jorrando abundantemente, como ensina o Mito da Caverna de Platão, do qual grande parcela da humanidade, enclausurada, insiste em tornar-se refém. Prefiro adotar como mantra pessoal, a frase de bolso de Tom Jobim, das minhas preferidas: “Sou um aprendiz de ternuras”. As feridas sangram, é fato, alguns anestésicos têm efeito de curta duração, as amarguras haverão de deixar um ranço na boca por algum tempo. Mas haverá sempre uma lua crescente, surgindo do telhado de algum casarão no Centro Histórico, os ventos de agosto e setembro a eriçarem o mar do Maranhão, com suas ondas que vêm e vão, no compasso dos acontecimentos. O imprevisível há de, eventualmente, tornar-se visível em algum canto escuro. A delicadeza de alguns há de triunfar sobre a indiferença e o medo, os dois maiores inimigos do amor, segundo Leonardo Boff, mestre e porta-voz da sacralidade da vida. A etimologia faz sentido. A palavra afeto orgina-se do latim “affetare” e significa ir atrás.
Nossa, senti um arrepio ao ler seu texto! Excelente!!!Balançou meu espírito...Parabéns!!!
ResponderExcluirEncontrei seu blog por acaso (pois estava procurando imagens para um tópico meu), e a impressão que fica segue manifestada em meus versos, a seguir:
"Não há mais nada a fazer, a não ser esperar que o ser aprenda a contemplar o amanhecer. A cada dia, seja manhã quente ou fria, tudo o que temos a fazer é doar, sem pensar em receber. Pois tudo está guardado, a sete-chaves, e cadeados, que somente o tempo haverá de desbravar. E a natureza, seguirá ilesa, enquanto estaremos partindo, de volta ao mar".
Obrigado pelo texto e gostaria de que opinasse sobre meu blog também! www.open-sar.blogspot.com !!!
Mais uma vez, parabéns!