domingo, 6 de dezembro de 2009

Poesia no chão




As vitrines de Chico Buarque é a trilha sonora que embala esse domingo úmido em mim. Uma delicada melodia emotiva contrasta com os gritos enlouquecidos dos aficcionados por futebol, esporte pelo qual nutro uma indiferença siberiana. Aconchegada a mim mesma, ouço apenas a música no meu interior: “...passas sem ver teu vigia, catando a poesia que entornas no chão”.
Lembro de um poema infantil, tosco que cheguei a rascunhar no ano que chamei de Mil novecentos e noventa e triste! A alma, dilacerada como numa letra de tango, escrevia: “reciclando desejos, intenções... do meu lixo interior ao papel da poesia”. Agora a reflexão inversa questiona o porquê de tantas possibilidades preciosas serem desperdiçadas, menciona os alquimistas fracassados que, ao invés de transformarem metais em ouro, fazem diamantes virarem pedaços de vidro.
Prefiro os desertos que florescem, as lágrimas que salgam a boca, que mais tarde sorri. Sou regida pelo signo da mutação, da transformação. Sou jornalista por paixão e convicção de acreditar numa folha em branco que, aos poucos é preenchida por caracteres, capaz de influir em decisões e até mudar destinos. A mim fascinam as tintas que dão vida à tela vazia e provocam fantásticas experiências estéticas. Percebo na dádiva de viver o imperativo da renovação, desde a pulsação do oxigênio e das veias que nutrem o organismo incessantemente. Sou adepta da ressignificação dos acontecimentos que não se aprisionam em um ponto final, mas que descortinam novos capítulos, como na fábula erotizada de As Mil e Uma Noites.
Incomoda-me o fracasso dos que não foram, entristece-me a morte do que não chegou a nascer, as cachoeiras que deixamos secar, a poesia que tantas vezes jogamos no chão e o amor que resultou inútil, como no lamento drummondiano. Os gritos lá fora aumentam. O jogo acaba. Dentro mim, Chico continua cantando: “Te avisei que a cidade era um vão, dá tua mão, olha pra mim, não faz assim, não vai lá, não...”


















Um comentário:

  1. Vinha meu amor, meu motivo, minha deusa das palavras... não perca mais tempo catando a poesia de quem joga o que é belo no chão. Nem jogue pérolas aos porcos. O Rio tá te desejando e o mundo te quer para além das estrelas. Com amor! Tua Dadá.

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