terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Terra do Nunca



A vida, por vezes, parece ser produto da astúcia de um genial roteirista. Em 2009, morreu Michael Jackson, o pop star que rejeitava a própria raça e que passou a vida refém de uma concepção fantasiosa de si mesmo e da existência. O cantor tinha um rancho chamado NeverLand, Terra do Nunca, fazia tratamentos para embranquecer a pele, usava máscaras para não se contaminar com germes e, de tanto, evitar a dor, morreu de uma dose letal, exatamente, de anestésicos.
Escamotear sofrimentos e desconfortos, não investigar as origens de certas atitudes ou sentimentos é um artifício da pós-modernidade que, com suas fartas ofertas, expõe nas prateleiras: escovas definitivas ou lentes coloridas para quem não se agrada de seus genes, Prozac e outros antidepressivos da indústria farmacêutica da alegria, cirurgias para redução do estômago em obesos, cuja compulsão alimentar ocorre nos neurotransmissores, Viagra e similares para viabilizar o sexo, vibradores, bonecas infláveis e uma quinquilharia de objetos, práticas e comportamentos capazes de evitar, a todo custo, os problemas, as tristezas e dificuldades de toda origem. Mas os milagres da contemporaneidade, ao contrário do que anunciam, com suas facilidades e soluções em modo express, não têm transformado o mundo em Terra Prometida. Os transtornos depressivos já ultrapassam a marca de 121 milhões de pessoas no planeta e se constituem na quarta maior causa de mortes, em consequência deles.
Em 2007, em São Paulo, no seminário Mutações: novas configurações do mundo, durante a palestra Depressão e Imagem no Novo Mundo, a psicanalista Maria Rita Kehl considerou: “A sociedade do espetáculo é aparentemente antidepressiva, com seus gozos, festas e sexualidade. Ela nos promete um gozo contínuo, mas a festa apresentada não existe”. E, com habitual brilhantismo, enfatizou: “é a subjetividade que produz significado para a vida”.


No entanto, há quem prefira manter-se encarcerado em suas próprias versões equivocadas da existência e de si mesmo, em que a vida precisa parecer um parque de diversões, uma ilha da fantasia (que tal a ilha de Caras?), como se fosse uma grande festa. De preferência uma rave, com coreografias robóticas, movidas a Ectasy para fabricar, artificialmente, o afeto. E, ano após ano, prosseguem embriagando-se de suas próprias mentiras, consolidando o projeto fraudulento de suas personalidades. Monstruosas criaturas, essas que resultam da simbiose entre Pinóquio e Peter Pan!





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