domingo, 28 de fevereiro de 2010

Manoel, modelador dos Barros da palavra


Para quem sobrevive do ofício de escrever, com a enxada sempre de prontidão para cavoucar palavras, ler Manoel de Barros corresponde a um carinho na gente. A experiência recente de assistir, no Arteplex Botafogo, Rio de Janeiro, ao documentário sobre a vida e a obra do poeta, foi como uma daquelas deliciosas tardes roubadas do cotidiano para se namorar. O filme Só Dez por Cento é Mentira – A desbiografia oficial de Manoel de Barros, dirigido e roteirizado por Pedro Cézar, foi premiado como melhor documentário, na edição 2009, do Festival Paulínia de Cinema, em São Paulo.

Comparado, em algumas ocasiões, a um dos mais consagrados escritores da Literatura Brasileira, Guimarães Rosa, Barros é único na poesia brasileira. Deslumbramento e singeleza convivem em harmonia, numa poética que alucina palavras, em minha percepção claramente impregnada do mato-grossense, que escreve preciosidades como: “Boto a manhã de pernas abertas para o sol”.
A ausência de apelo estético no título do filme encontra justificativa no poema: “Há muitas maneiras sérias de não dizer nada, mas só a poesia é verdadeira”, em lettering no início da película, intercalada com os fragmentos de inteireza escritos por ele. Os dez por cento de mentira ficam limitados ao nome do filme. As noções de verdade ou mentira se enroscam num jogo de sentidos. A poesia passa a ser a única verdade para ele que, por outro lado, enaltece a mentira com as vestes da criatividade em: “...pois que inventar, aumenta o mundo”. É a poesia que pisoteia a filosofia.
Modesto, como os verdadeiros missionários, Manoel fala pouco, deixando margem para outros recursos cinematográficos e personagens barristas no filme. Ele, que é um dos poetas da minha devoção, ficou famoso somente por volta dos 70 anos, reconhecido, a partir de então, pelos inúmeros prêmios literários recebidos.



Em entrevista à revista Caros Amigos, em 2006, Manoel de Barros disse que não tem inspiração, tem é “excitação pela palavra”. A relação quase sensorial que mantém com as palavras produz uma poesia de transfiguração semântica, como no Livro sobre Nada, com expressões como: um alarme para o silêncio, um abridor de amanhecer, pessoa apropriada para pedras e outras alucinações poéticas. O poeta que diz “querer fazer brinquedos com as palavras” é uma espécie de contemplador das insignificâncias e do invisível somente enxergado por poucos, como uma espécie de médium vidente, segundo um de seus depoimentos no documentário. Ele, que se horizonta para os pássaros define com precisão transcendental: “Poesia é voar fora da asa”.
E, pensando bem, eu, como um Ícaro da minha Litera-ATURA, feita de Asas de Papel, ando me sentindo meio Manoel de Barros, quase uma Flavinha da Tarde Azul. Sobe a ficha técnica.


Um comentário:

  1. Flavinha da Tarde Azul eu estou bege menina! Tu deixou de lado aquelas crônicas de falar mal com "crasse" de quem não presta e passou a escrever com poesia de novo, viva!
    Bjs da Carla Bruni do Anjo da Guarda. kkkkkkkkkkkkk

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