sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

A clarividência de Clarice Lispector


Não passarei o carnaval com Clarice Lispector. Eu a devorei antes. Como no trecho do livro a que me refiro (Clarice, de Benjamin Moser, Ed. Cosacnaify), em que ela narra uma viagem ao Egito e seu encontro com uma esfinge: “Não a decifrei. Mas ela também não me decifrou”. Mergulhar nas mais de 600 páginas do universo enigmático da escritora, apresentado pelo autor, foi uma das melhores experiências deste início de 2010, acrescida de alguns encontros também lispectorianos, no plano pessoal, que afugentaram meu tédio diante das banalidades da modorrenta São Luís.
Os recursos da prosa livre da escritora aparecem apenas no título dado por Benjamir Moser à exaustiva pesquisa: Clarice, - com vírgula depois do nome, a sugerir o algo a mais, sempre presente em Lispector, que ela costuma deixar escapar em suas obras, como em A Hora da Estrela: “As coisas são sempre vésperas”. O livro Uma Aprendizagem ou O Livro dos Prazeres inicia com uma vírgula e termina com dois pontos.


Para não contrariar o mito, distancio-me de interpretações mais complexas em torno de sua obra. A biografia descreve uma ocasião, durante uma conferência sobre a teoria literária em seus escritos, em que ela menciona, irritada, à escritora Nélida Piñon: “Diga eles que se eu tivesse entendido uma palavra de tudo o que disseram, não teria escrito uma única linha de todos os meus livros”. Entre as tantas veredas na vastidão da produção literária de Lispector, incursiono pelo meu interesse primordial, a relação com a palavra daquela que foi classificada como portadora de uma “genialidade insuportável”, pela inseparável amiga do final da vida, Olga Borelli. O ápice da angústia canalizada pelo exercício literário é revelado na frase: “Escrevo como se fosse para salvar a vida de alguém. Provavelmente, a minha”. O caráter messiânico de sua escrita aparece novamente em outro texto: “Pois escrever é coisa sagrada, onde os infiéis não têm entrada”.
Genial, densa, vitimada, e ao mesmo tempo mitificada, por uma sensibilidade exacerbada, Clarice Lispector era sua melhor personagem. No hospital, às vésperas da morte, após uma hemorragia, ao tentar caminhar em direção à porta do quarto, retrucou, ao ser impedida por uma enfermeira: “você matou minha personagem!”

Um comentário:

  1. Demorou demais a escrever Flavinha linda. Inveja ou talve ciúme destes teus encontros lispectorianos! Bjs

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