segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Apelo publicitário ou cantada barata?



Um casal completamente asséptico ilustra as peças de uma campanha publicitária que menospreza a inteligência dos consumidores maranhenses com o mote Sua vida também pode ser perfeita. Anunciado como um dos mais ousados empreendimentos imobiliários da capital do Maranhão, o Farol da Ilha aparece, em recente estratégia de vendas, como uma mera lanterna desfocada e sem pilhas suficientes para colocar em evidência a consistência de seus argumentos. Os atores, Cláudia Raia e Edson Celulari, sorriem como se fosse possível ter uma vida inteira sem crises conjugais, sem problemas com os filhos, sem doenças, sem quebras de sigilos bancários, temor mais próximo da realidade de determinados segmentos das classes emergentes, enfim, sem dificuldades de espécie alguma.
Mas a peça vai muito além da alusão óbvia ao perfil editorial da revista Caras, com suas páginas de contos de fadas, onde tudo é maravilhoso, a vida é um parque de diversões, uma eterna celebração hedonista regada ao champagne Veuve Cliquot e com direito a malas Louis Vuitton para guardar as dificuldades. O conceito de uma vida perfeita é discriminatório e abusado. A vida é uma desgraça, na concepção da campanha, para os de casta inferior, e perfeita somente para quem pode comprar um apartamento no Farol da Ilha, em torno de 1 milhão de reais. E por falar em dinheiro, bem próximo dali, na Ilhinha, os pequenos comerciantes reclamam do medo de assaltos constantes no local.
Ironias à parte, é evidente que o princípio da mensagem publicitária é a sedução. O apelo positivo em nenhum momento deve evidenciar os achaques e males que compõem este (com o perdão pela ofensa aos bon vivants!) Vale de Lágrimas. A moderna propaganda deve considerar as mutações contemporâneas e não subestimar seu público com chavões apelativos similares a uma cantada barata. Nestor Cancline que, ao lado de Jesús Martín-Barbero, é um dos maiores investigadores da comunicação, cultura e sociologia da América Latina, considera o mercado não como um simples lugar de troca, mas como “parte de interações socioculturais mais complexas”. E aponta: “nenhuma sociedade e nenhum grupo suportam por muito tempo a irrupção errática dos desejos, nem a consequente incerteza dos significados”. Cancline, genial, considera o consumo como uma espécie de pertencimento, resultado de múltiplas interações.
Existe uma brutal diferença entre pagar um cachê para globais, finalizar um lay out, jogar um título apelativo e elaborar uma campanha com base na análise do entorno cultural e em outros aspectos importantes. A publicidade mundial está revendo seus conceitos. Espera-se que os empresários no Maranhão também percebam o fenômeno.

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