quarta-feira, 5 de agosto de 2009

O Machado de Assis de nosso texto nos dai hoje




Com euforia de quem abre uma carta de amor, recebi esta semana pelo correio uma encomenda especial: um livro esgotado sobre a obra de Machado de Assis, embrulhado pelo livreiro de um sebo, naquele papel pardo que encapava a infância de meus cadernos de colégio. O romantismo daquele papel de embrulhar pão se misturou à minha fome insaciável de descobertas, devolvendo uma alegria adolescente que, vez por outra, irrompe os momentos de achados preciosos.
Machado é um dos principais alimentos do meu propósito de sobreviver do texto. Integro a legião dos que se deleitam, anualmente, com este que é, segundo Gentil de Andrade, “a maior glória literária do Brasil”, dono de uma escrita Capitu – referência aqui feita à sinuosidade de um estilo literário que costuma se revelar de maneira oblíqua, irônica e, como ele próprio, pouco dada ao exibicionismo das sociedades das embalagens. Mesmo desprovido de realismos fantásticos, adiciona o ingrediente misterioso na narrativa. E consegue a proeza de misturar pessimismo e humor numa receita única, admitida em Brás Cubas (em que diz ter escrito “com a pena da galhorfa e a tinta da melancolia”). O autor de Dom Casmurro costuma reunir uma heterogênea massa de admiradores em torno de si.
Minha entrada no mundo do escritor foi tão inevitável quanto precoce. Ainda adolescente, vi meu pai debruçar-se sobre um estudo sobre a carnavalização na obra O Alienista, de Machado de Assis, que passou a ter um sabor ainda mais apurado para mim, após anos de degustações e muitos momentos de embriaguez. Reminiscências à parte, todas as elaborações em torno da produção machadiana parecem fragmentos a compor a grandiosidade da obra inesgotável. O jornalista Daniel Piza, autor da biografia Machado de Assis: um gênio brasileiro reuniu mais de 200 livros sobre o escritor, durante 10 anos de pesquisa. A Flip, Festa Literária Internacional de Paraty, do ano passado, homenageou Machado pelos 100 anos de sua morte. Lá, comprei o livro Quem é Capitu?, no qual escritores, ensaístas e outras personalidades tentam responder à pergunta sobre a mais intrigante personagem da literatura nacional. Comungo das teses de que a resposta do enigma capitolino está nas neuroses do narrador Bentinho. Bem mais importante do que a suposta pulada de cerca da esposa é o modo machadiano de narrar, capaz de ter atravessado os séculos ainda suscitando debates, questionamentos e fomentando uma formidável variedade de estudos e escritos, como este despretensioso rascunho.
A ironia com que Machado constrói frases sobre percepções diante da realidade compreende o meu mais recente interesse. Divido com os visitantes deste espaço tão íntimo, duas das várias preciosidades frasísticas, impregnadas do genial tom irônico. Em Memórias Póstumas de Brás Cubas, ele escreve: “Marcela amou-me durante 15 meses e 11 contos de réis, nada menos”. Em Relíquias de Casa Velha: “Loteria é mulher: pode acabar cedendo um dia”.








Nenhum comentário:

Postar um comentário