quinta-feira, 25 de junho de 2009

Delírios e delícias de palavrar




No curso Diálogos entre o texto jornalístico e o texto literário, promovido no início de junho passado, em São Paulo, no Espaço Cult, o jornalista Xico Sá aconselhou a uma comportada platéia a acrescentar uma dose de passionalidade em seus escritos: “paixão e um pouco de delírio também”, receitou. Delírio? Para os obsessivos pelo culto às palavras é quase uma impossibilidade a tentativa vã drummondiana de manter-se uma relação sã e superficial com aquelas que nos desenham a existência ao redor.
O poeta Pessoa, que assumia seu gosto em palavrar, mencionou as propriedades terapêuticas da escrita, quando registrou: “se escrevo o que sinto é porque assim diminuo em mim a febre de sentir”. O Livro do Desassossego não poderia ter efeito mais devastador em mim, na época em que o li. Nele encontrei os sintomas tão frequentes desde a infância, resultantes da sinuosidade da minha alma frenética, inquieta, ardida, repleta de formigas no espírito. Anos atrás, li em o Jornal do Brasil uma entrevista com a escritora Nélida Piñon, que admitia: “escrevo para o meu desassossego”. Palavra que acalma e alarma. Como seria se os médicos fossem viciados em formol? "Somos uns doentes", pensei. O poeta Mário Quintana chegou a confessar que sua poesia sofria de “uma inquietação terrível”, segundo ele, como a música de Mahler.
Por uma transcendência poética que impregna o ofício de quem escreve, confesso-me atormentada pela delirante aventura de escrever, de prestar atenção no mistério que reside escondido entre uma palavra e outra, no silêncio de tantas palavras, na eloquência de algumas e na tagarelice dos termos desnecessários. De quantos delírios noturnos não sofri, ao espremer pequenas expressões cotidianas na inútil tentativa significativa? Quantas vezes não descobri longos discursos ocultados em uma única palavra?!... E quão frustrante não foram os momentos em que percebi o esvaziamento das emoções mais nobres em certas frases banalizadas por palavras dissimuladas que roubam de si mesmas toda a riqueza semântica. Cheguei a escrever a alguém: o que resta de nós agora é a nobreza do silêncio.
A intimidade com as palavras costuma fornecer uma fina ironia, nos moldes machadianos dada a poucos com sua porção de refinamento essencial. Mais cômica do que irônica, cínica talvez, fiz certa vez, ainda estudante do curso de Comunicação Social, em meio a aula de Semiologia, um poeminha gaiato: “palavra com palavra, letrinha e letrinha, farei o dicionário do nosso amor analfabeto”. Um caldo feito das sobras de Barthes e Saussure. E, embora, todas as delícias do delírio de palavrar, não me iludo e repito o salmo de Drummond: “Lutar com palavras é a luta mais vã”. Sugiro um download da música Tantas Palavras, de Chico Buarque: ”...Trocamos confissões no cinema, dublando as paixões, movendo as bocas, com palavras roucas, fora de si...”



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