quinta-feira, 23 de abril de 2015

Uma luz no mundo



Sal da Terra, de Win Wenders e Juliano Salgado, é uma experiência impactante. O filme sobre a vida do fotógrafo brasileiro Sebastião Salgado transcende o registro biográfico para arrebatar um espectador acanhado em suas questiúnculas existenciais.


Os que pressentem certa finalidade superior na existência terminam por perceber em Salgado o exercício de uma missão. O missionário, com todas as fraquezas humanas, chega a interromper seus cliques para deixar a câmera no chão e chorar diante das atrocidades de uma realidade crua e absurda. O humano, à propósito, é o tema maior da produção.


Para quem, a exemplo desta concubina das palavras, escolhe um caminho profissional tendo o mundo como álibi, assistir ao documentário é um êxtase permanente, gozo que oscila entre a comoção e a indignação diante das brutais violações aos mais essenciais direitos humanos. 


Há também um espetáculo exibido pelas lentes da câmera do fotógrafo: a fascinante diversidade de povos, culturas e espécies planetárias. Tornamo-nos minúsculos. Deparar-se com o mundo apresentado por meio da fotografia de Sebastião Salgado é algo que transforma as nossas angústias e pendengas pessoais em verminoses. 

Além da riqueza de imagens impressionantes, a narração é uma releitura daquilo que tanto pode dispensar informações - as fotos autoexplicativas com valor infinitamente superior a mil palavras - como pode se converter em polissemia de muitos temas. 



Com fotos de Serra Pelada, Salgado fala sobre a semelhança dos garimpeiros com os escravos. E explica que não são escravos, exceto do desejo de enriquecer. Reconhecido internacionalmente hoje, ele deixou uma sólida carreira de economista no Banco Mundial para se dedicar ao talento que lhe fez mostrar ao mundo as desigualdades sociais. A tela não mostra as prováveis dificuldades nesta mudança radical de rota. Mas é justamente nisto que reside o mérito daqueles que não se perderam no meio do caminho, que não se desviaram pelos atalhos de suas ambições mesquinhas. 


Sal da Terra é devassador. Os registros feitos dos esquálidos em Ruanda, das doenças na África, dos genocídios brutais, das populações de refugiados, dos trabalhadores do planeta, dos povos do nosso continente, da tribo quase isolada na Amazônia onde vivem os índios da etnia Zo’é, do nordeste brasileiro às regiões inóspitas são uma aula de Antropologia. As fotos dos lugares quase inacessíveis da Terra também revelam o espírito de um desbravador capaz de enfrentar temperaturas abaixo de 30 graus e se arrastar pelo chão para captar detalhes daquilo que existe de mais sagrado no planeta, a vida.


Sebastião Salgado personifica, com sua existência, o significado da palavra fotografia: “escrever com a luz”. Ele escreve o mundo com luz.







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