quarta-feira, 8 de abril de 2015

Crise global da delicadeza



A sina feminina segue por caminhos sinuosos, por águas que dançam, oscilando entre os extremos. Certos desarranjos interiores, embora aqui comigo cada vez mais aquietados pelo tempo-rei, permanecem como um fio de pavio, embebido em líquidos inflamáveis, por vezes alçando voos suaves como flâmulas ao vento.

A avalanche diária de afazeres jamais consegue soterrar a profusão de emoções ou apagar o sopro de sentimentalidade que não se evanesce. O senhor da paixão contida de Morte em Veneza, de Thomas Mann, por vezes, duela com a Lolita, de Nabokov.

Os dias ásperos de labuta são incapazes de conter as vazões que fogem às razões. Carregar pedras não impede que nasçam flores no caminho. Essa recusa à brutalidade dos dias é própria da espécie. Nós, fêmeas, possuímos certo ardor interior, moldado para parir, com a singular intensidade de, ao mesmo tempo acolher e libertar sentimentos incandescentes. E todo um acervo de emoções godê, tantas vezes classificado como "histeria". 

O tema enrosca-se em palavras sedosas, em tom confessional, mas é bem mais amplo do que simples diletantismo feminino, de mimimis e tal. O mundo asfixiado por crises variadas tem perdido o referencial da delicadeza, da comoção, da emoção. É fato que existem mulheres machos e homens com alma de mulher. As crueldades que originam as patologias e problemáticas diversas da contemporaneidade são geradas por aqueles que perderam a capacidade de se sensibilizar. 

Certa vez, Clarice Lispector relatou: "Uma folha me bateu nos cílios. Achei Deus de uma delicadeza". No premiado livro O Deus das Pequenas Coisas, da indiana Arundhati Roy, a lição de que as coisas podem mudar é comovente.

Acontece que, anestesiados pela vaidade, pela compulsão materialista ou pelas substâncias exaladas pelo nosso ego, somos transformados em zumbis, em mortos vivos que vagam pelo mundo perdidos, na eterna busca por algo que preencha o nosso insaciável vazio interior.

Nem é necessário mascar as teorias em torno da coisificação do homem, da competitividade do capitalismo, da ambição desenfreada ou das ameaças planetárias. 

Alguns equivocados só conseguem enxergar a fragilidade da existência quando são visitados pela inexorável senhora chamada Morte. 

A vida é frágil, muito frágil. E por um motivo simples, para nos ensinar a ser delicados.  



Nenhum comentário:

Postar um comentário