*Texto: Cynara Menezes da revista Carta Capital
“Orientação sexual não é o que vai definir a
nossa salvação”, afirma o bispo primaz da Igreja Anglicana no Brasil, dom
Maurício Andrade. “É muito provável que as pessoas homoafetivas fossem
acolhidas por Jesus. O Evangelho que ele pregou foi de contracultura e inclusão
dos marginalizados”, opina. Segundo o bispo, ao mesmo tempo que não há nenhuma
menção à homossexualidade no Novo Testamento, há várias passagens que
demonstram a pregação de Jesus pela inclusão. Não só o conhecido
No Evangelho de João, capítulo 4,
Jesus está a caminho da Galileia, partindo de Jerusalém. Cansado, decide
descansar ao lado de um velho poço, em plena região da Samaria, cujos
habitantes eram desprezados pelos judeus. E inicia conversação com uma mulher
samaritana que vinha buscar água, e lhe oferece a salvação da alma, para
espanto de seus próprios apóstolos, que a consideravam ímpia. Também quando
Jesus vai à casa de Zaqueu, o coletor de impostos decidido a passar a noite lá,
os discípulos murmuram entre si que se hospedaria “com homem pecador”. Mas
Jesus não só o faz como também oferece a Zaqueu, homem rico tido como ladrão, a
salvação. “Hoje veio a salvação a esta casa, por este ser também filho de
Abraão.”
“Jesus inaugura o momento da
Graça, os Evangelhos atualizam vários trechos do Velho Testamento. Ou alguém
pode imaginar apedrejar pessoas hoje em dia?”, questiona dom Maurício, para
quem a interpretação da Bíblia deve se basear no tripé tradição, razão e
experiência cotidiana. “Quem interpreta que a Bíblia condena a homoafetividade
está sendo literalista. Cada texto bíblico está inserido num contexto político,
histórico e cultural, não pode ser transportado automaticamente para os dias de
hoje. Além disso, a Igreja tem de dar resposta aos anseios da sociedade, senão
estaremos falando com nós mesmos.”
Também anglicano, o arcebispo
Desmond Tutu, Prêmio Nobel da Paz em 1984, lançou em março deste ano o livro
Deus Não É Cristão e Outras Provocações, que traz um texto sobre a inclusão dos
cidadãos LGBT à Igreja e à sociedade. Para Tutu, a perseguição contra os
homossexuais é uma das maiores injustiças do mundo atual, comparável ao
apartheid contra o qual lutou na África do Sul. “O Jesus que adoro
provavelmente não colabora com os que vilipendiam e perseguem uma minoria já
oprimida”, escreveu. “Todo ser humano é precioso. Somos todos parte da família
de Deus. Mas no mundo inteiro, lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros são
perseguidos. Nós os tratamos como párias e os fazemos duvidar que também sejam
filhos de Deus. Uma blasfêmia: nós os culpamos pelo que são.”
Nos Estados Unidos, a Igreja
Anglicana foi a primeira a ordenar um bispo homossexual, em 2004. “Não por ser
gay, mas porque a Igreja reconheceu o serviço e o ministério dele”, alerta dom
Maurício. Foi com base na demanda crescente de respostas por parte dos fiéis
homossexuais ou com -parentes e amigos gays que os anglicanos começaram a rever
suas posturas, a partir de 1997. No ano seguinte, foi feita uma recomendação
para que os homoafetivos fossem escutados, embora a união de pessoas do mesmo
sexo ainda fosse condenada e que se rejeitasse a prática homossexual como
“incompatível” com as Escrituras.
No Brasil, onde possui mais de 60
mil seguidores, a Igreja Episcopal Anglicana realizou em 2001 a primeira
consulta nacional sobre sexualidade, quando seus fiéis decidiram rejeitar “o
princípio da exclusão, implícito na ética do pecado e da impureza”, e fazer uma
declaração pública em favor da inclusividade como “essência do ministério
encarnado de Jesus”. Em maio deste ano, os anglicanos divulgaram uma carta de
apoio à decisão do Supremo Tribunal Federal de permitir a união civil entre
pessoas do mesmo sexo, baseados não só na defesa da separação entre Estado e
Igreja como no reconhecimento de que as relações homoafetivas “são parte do
jeito de ser da sociedade e do ser humano”.
Com o reconhecimento pelo
Superior Tribunal de Justiça, em 25 de outubro, da união civil de duas
lésbicas, é possível que a intolerância religiosa contra os homossexuais volte
a se acirrar. No Twitter, Malafaia atiçava os seguidores a enviar e-mails aos
juízes do Tribunal pedindo a rejeição do recurso. Em vão: a união entre as duas
mulheres gaúchas, juntas há cinco anos, ganhou por 4 votos a 1.
A partir da primeira decisão do
STF, foi criada, informalmente até agora, uma frente religiosa pela diversidade
sexual, que reúne integrantes de diversas igrejas: batistas, metodistas, anglicanos,
luteranos, presbiterianos, católicos e pentecostais. Coordenador do grupo, o
metodista Anivaldo Padilha (pai do ministro da Saúde, Alexandre Padilha) diz
que a homossexualidade é hoje um dos temas que mais dividem as igrejas, tanto
evangélicas quanto católicas. “Quem alimenta o preconceito são as lideranças.
Os fiéis manifestam dificuldade em obter respostas, porque no convívio com
amigos, colegas ou mesmo parentes que sejam homossexuais não veem diferença.”
“Orientação sexual não é o que vai definir a
nossa salvação”, afirma o bispo primaz da Igreja Anglicana no Brasil, dom
Maurício Andrade. “É muito provável que as pessoas homoafetivas fossem
acolhidas por Jesus. O Evangelho que ele pregou foi de contracultura e inclusão
dos marginalizados”, opina. Segundo o bispo, ao mesmo tempo que não há nenhuma
menção à homossexualidade no Novo Testamento, há várias passagens que
demonstram a pregação de Jesus pela inclusão. Não só o conhecido
No Evangelho de João, capítulo 4,
Jesus está a caminho da Galileia, partindo de Jerusalém. Cansado, decide
descansar ao lado de um velho poço, em plena região da Samaria, cujos
habitantes eram desprezados pelos judeus. E inicia conversação com uma mulher
samaritana que vinha buscar água, e lhe oferece a salvação da alma, para
espanto de seus próprios apóstolos, que a consideravam ímpia. Também quando
Jesus vai à casa de Zaqueu, o coletor de impostos decidido a passar a noite lá,
os discípulos murmuram entre si que se hospedaria “com homem pecador”. Mas
Jesus não só o faz como também oferece a Zaqueu, homem rico tido como ladrão, a
salvação. “Hoje veio a salvação a esta casa, por este ser também filho de
Abraão.”
“Jesus inaugura o momento da
Graça, os Evangelhos atualizam vários trechos do Velho Testamento. Ou alguém
pode imaginar apedrejar pessoas hoje em dia?”, questiona dom Maurício, para
quem a interpretação da Bíblia deve se basear no tripé tradição, razão e
experiência cotidiana. “Quem interpreta que a Bíblia condena a homoafetividade
está sendo literalista. Cada texto bíblico está inserido num contexto político,
histórico e cultural, não pode ser transportado automaticamente para os dias de
hoje. Além disso, a Igreja tem de dar resposta aos anseios da sociedade, senão
estaremos falando com nós mesmos.”
Também anglicano, o arcebispo
Desmond Tutu, Prêmio Nobel da Paz em 1984, lançou em março deste ano o livro
Deus Não É Cristão e Outras Provocações, que traz um texto sobre a inclusão dos
cidadãos LGBT à Igreja e à sociedade. Para Tutu, a perseguição contra os
homossexuais é uma das maiores injustiças do mundo atual, comparável ao
apartheid contra o qual lutou na África do Sul. “O Jesus que adoro
provavelmente não colabora com os que vilipendiam e perseguem uma minoria já
oprimida”, escreveu. “Todo ser humano é precioso. Somos todos parte da família
de Deus. Mas no mundo inteiro, lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros são
perseguidos. Nós os tratamos como párias e os fazemos duvidar que também sejam
filhos de Deus. Uma blasfêmia: nós os culpamos pelo que são.”
Nos Estados Unidos, a Igreja
Anglicana foi a primeira a ordenar um bispo homossexual, em 2004. “Não por ser
gay, mas porque a Igreja reconheceu o serviço e o ministério dele”, alerta dom
Maurício. Foi com base na demanda crescente de respostas por parte dos fiéis
homossexuais ou com -parentes e amigos gays que os anglicanos começaram a rever
suas posturas, a partir de 1997. No ano seguinte, foi feita uma recomendação
para que os homoafetivos fossem escutados, embora a união de pessoas do mesmo
sexo ainda fosse condenada e que se rejeitasse a prática homossexual como
“incompatível” com as Escrituras.
No Brasil, onde possui mais de 60
mil seguidores, a Igreja Episcopal Anglicana realizou em 2001 a primeira
consulta nacional sobre sexualidade, quando seus fiéis decidiram rejeitar “o
princípio da exclusão, implícito na ética do pecado e da impureza”, e fazer uma
declaração pública em favor da inclusividade como “essência do ministério
encarnado de Jesus”. Em maio deste ano, os anglicanos divulgaram uma carta de
apoio à decisão do Supremo Tribunal Federal de permitir a união civil entre
pessoas do mesmo sexo, baseados não só na defesa da separação entre Estado e
Igreja como no reconhecimento de que as relações homoafetivas “são parte do
jeito de ser da sociedade e do ser humano”.
Com o reconhecimento pelo
Superior Tribunal de Justiça, em 25 de outubro, da união civil de duas
lésbicas, é possível que a intolerância religiosa contra os homossexuais volte
a se acirrar. No Twitter, Malafaia atiçava os seguidores a enviar e-mails aos
juízes do Tribunal pedindo a rejeição do recurso. Em vão: a união entre as duas
mulheres gaúchas, juntas há cinco anos, ganhou por 4 votos a 1.
A partir da primeira decisão do
STF, foi criada, informalmente até agora, uma frente religiosa pela diversidade
sexual, que reúne integrantes de diversas igrejas: batistas, metodistas, anglicanos,
luteranos, presbiterianos, católicos e pentecostais. Coordenador do grupo, o
metodista Anivaldo Padilha (pai do ministro da Saúde, Alexandre Padilha) diz
que a homossexualidade é hoje um dos temas que mais dividem as igrejas, tanto
evangélicas quanto católicas. “Quem alimenta o preconceito são as lideranças.
Os fiéis manifestam dificuldade em obter respostas, porque no convívio com
amigos, colegas ou mesmo parentes que sejam homossexuais não veem diferença.”
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