quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Refúgio para a Alma


A ilha de Taputiua foi o refúgio que me escolheu, no último feriado, para mais uma sessão de cura para as chagas de uma alma que carrega dentro de si o ardor de uma inquietação secular. O lugarejo fica em uma das pontas mais reservadas da Praia da Raposa, na região metropolitana de São Luís, alcançado somente com a ajuda dos moradores que vivem há décadas como verdadeiros guardiões daquele pedaço de terra.
Bastam poucos minutos para que a respiração ofegante de um cotidiano infectado se adapte a um ritmo lentamente natural. O coração, porventura descompassado por algum resíduo desconfortável, entra na cadência dos ciclos das marés e da lua.
A ilha é banhada por águas límpidas, com sabor de sal, o tempero da lama dos manguezais e assentada sobre a areia rica em pequenos tesouros já desaparecidos da maioria das praias do planeta: conchinhas, sarnambis e até búzios. Para chegar até lá são cerca de 30 a 40 minutos de trilha, sob o sol inclemente, saudando os aventureiros que enfrentam pequenos desafios, entre eles, o maior de todos, atravessar o mangue. Em determinado trecho uma espécie de “formigueiro” de filhotes de caranguejos, os chama-maré, surge diante dos pés, em um espetáculo da natureza, quase intacta. É a vida em estado bruto, surgindo de dentro das entranhas da mãe Terra.

O acesso ao paraíso escondido é um exercício que se assemelha às filosofias orientais do corpo, tais como o Tai Chi Chuan, exigindo controle do peso sobre o solo, leveza, atenção, harmonia. Caminhar sobre o mangue requer equilíbrio de bailarina clássica. Quem pisa sem fluidez, é sugado pela lama e afunda tal qual em certos reveses de nossas vidas, quando não conseguimos nos tornar leves e naufragamos. Aquele que não obtém a habilidade de “flutuar” sobre o lamaçal do manguezal pode se machucar seriamente com os gravetos de madeira ou, na melhor da hipóteses, ganhar um par de botas pretas do mais puro lamaçal. A conexão quase xamânica com a natureza é uma lição para selvagens urbanos, embrutecidos pela civilização de trânsito caótico, buzinas, pressa e neuroses modernérrimas. A natureza se impõe e obedece aos ciclos, sem atropelar cada etapa, em ritmo inalterável.
Após a odisséia do manguezal, é preciso atravessar durante 5 ou 10 minutos de barco para a outra ponta, uma praia particular, enfeitada pelas marcas de maçaricos na areia. O corpo mergulhado na água salgada aquieta-se e se deixa descansar dos fardos e tormentos mentais que desafinam diante da orquestra das marés, do movimento das nuvens e da dança solar que, aos poucos, vai lentamente diminuindo seu fervor. Inevitável pensar no futuro: quantos lugares assim ainda restarão no mundo? Maria Clara, Luísa e Isabella, adultas, poderão vivenciar momentos assim?

O almoço chega. Quilos de peixes pescados ali mesmo, diante dos nossos olhos são “tratados” pelas mãos abençoadas de dona Fátima, a senhora cujo quintal da casa dá acesso à trilha em direção ao paraíso e que lavou, com bondade de santa, minhas pernas sujas de lama. O peixe, recém saído do mar, é frito e também cozido e saboreado com farinha made in Maranhão. Reafirmo meu princípio de que o simples é um luxo.



















Um comentário:

  1. hummmm. Em um lugar assim na tua companhia sempre bem mais que interessante e agradável deve ser a combinação perfeita. pena você sempre na pista contrária e inalcansável! Bjs (L)

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