terça-feira, 26 de julho de 2011

Sabores, saberes e sorrisos adicionados ao tempo


O tempo é uma dimensão poderosa, assustadora. O acúmulo dos anos e algumas inevitáveis adversidades, com suas dosagens certas ou exageradas de amargor, são capazes de corroer vagos vestígios de antiga pureza, de roubar o sorriso pueril e caducar alguns sonhos no meio do caminho. Ao nos deparamos diante do espelho, em nossos momentos lispectorianos, notamos a familiar metamorfose que se operou em nós mesmos.
Um amigo querido, que já atravessou o “Cabo da Boa Esperança”, me disse que em certa altura da vida os anos começam a pesar. O peso da idade é daquele tipo que nenhuma lipoaspiração é capaz de reduzir. O cenho franzido, irritado, arrogante ou autoprotetor, a curvatura moldada pela drummondiana descrição “ombros que suportam o mundo”, as rugas de reveladora expressão, a praga das reclamações a infestarem de maldizeres as conversas, secreções purulentas a exalarem dos nossos péssimos hábitos e algumas decepções no saldo devedor da vida são exemplos dos quilinhos extras acumulados no tal peso da existência.
O texto quarentão não consiste em lamento amargurado ou muito menos em um atestado de óbito da alegria. Erê e Baco continuam pulando e rebolando aqui dentro, insistindo em levantar do chão da lona, a cada bofetada. Escrevo sobre aquilo que talvez seja a lição mais valiosa no Manual de Sobrevivência na Selva da Convivência: a transcendência.
A noção da impermanência é uma aliada no árduo esforço por transcender situações desagradáveis, dissabores e cicatrizar queimaduras de terceiro grau. A fragilidade da existência na Terra, a percepção de que tudo é transitório, todas as coisas estão em permanente processo de transformação são recursos valiosos para quem pretende evitar a obesidade mórbida dos rancores. Uma péssima memória para registrar a deselegância alheia e a... ãh? O que mesmo??
Aldous Huxley disse que experiência não é o que lhe aconteceu, mas o que você fez com o que lhe aconteceu. No retrovisor, a paisagem é bem mais agradável quando é possível converter tristeza em aprendizado, sem vergonha de estar escrevendo literatura de auto-ajuda. A vergonha e a culpa, aliás, como o sol e os cigarros, deveriam ser incluídas no rol dos fatores de envelhecimento precoce. Em oposição a estes fatores, fica a sugestão de Chico Buarque, de um Amor Barato, destes que “dá mais que Maria Sem Vergonha...”
Ao ler o artigo Respeito ao Tempo, de Constanza Pascolato, deparei-me com a expressão francesa: être bien dans as peau, que significa estar bem, na própria pele, com a idade que tem. Constanza cita Sócrates, que teria dito: o tempo só respeita quem o respeita. A filosofia oriental tem sua frase correspondente: “O tempo se vinga de quem não cuida bem dele”. Tão simples: cuidado e respeito, consigo e com o outro. Viver bem é atributo dos sábios. Entre a listinha básica dos bons hábitos de vida, incluo o ensinamento de Barthes, na sua famosa Aula Inaugural, no Collége de France: “Nada poder, um pouquinho de saber e o máximo possível de sabor”.
É preciso saborear a vida, degustando especialmente os bons momentos, já que neste Vale de Lágrimas “tristeza não tem fim, felicidade sim...”
Meu avô José Bezerra, patrimônio da minha pretensa humanidade, do mais profundo de seus 96 anos, às vésperas de ser um homem centenário, me disse certa vez, com seu habitual tom doce e bem-humorado: “A vida me deu muitas graças. E também algumas gracinhas”. Como diria Mercedes Sosa: Solo pido a dios... Eu só peço a Deus que, no meu capítulo final, quando não me restaram mais ilusões ou momentos vãos, que permaneça o humor para Sorrir como naquele escrito já musicado de Chaplin.

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