sexta-feira, 7 de junho de 2013

Aluísio Azevedo sem pudor



Há 100 anos, o escritor maranhense, Aluísio Azevedo, encerrava o último capítulo de sua vida carnal. A efeméride deixa brechas para outros olhares sobre a obra O Cortiço, fundamental para a compreensão do Brasil na virada do século XIX. Aluísio chuta o balde do lirismo presente no Romantismo, de então, e exibe, despudoradamente, seu Naturalismo/Realismo, sem cortes. 

O livro, que eriçou os sonhos eróticos da puberdade de muitas gerações de estudantes brasileiros, permanece teso na Literatura Brasileira como o precursor das nossas melhores narrativas sexuais. Diante dele, os recentes bests sellers da trilogia 50 Tons (de Cinza, mais Escuros e de Liberdade), de E.L. James, tornam-se um amontoado de clichês e baboseiras ridículas - iguais à maioria dos produtos de sensacionalismo sexual das prateleiras da modernidade. 
   
O Cortiço deixa à mostra certas permissividades tão à vontade na frenética miscigenação cultural do país. Quem se escandaliza diante da descrição de cenas tórridas protagonizadas por Rita Baiana ou diante do lesbianismo neófito de Pombinha, talvez não conheça as partes íntimas da história dos Trópicos dos Pecados, denominação do melhor estudo sobre o tema, feito pelo pesquisador e professor de História da Universidade Federal Fluminense, Ronaldo Vainfas. A institucionalização da safadeza nacional teria começado a partir da própria origem do nome “Brasil”, não apenas por causa do pau mais famoso do país, mas também por obra do diabo que teria vindo morar aqui na América do Sul, viajando nos porões dos navios ibéricos. O padre Manoel da Nóbrega, um dos primeiros jesuítas a aportar aqui, julgava ser a colônia portuguesa quase uma “Sodoma” de pecadores, adúlteros, incestuosos, maníacos e tarados de toda espécie.


Aluísio, considerado pela pesquisadora Lúcia Miguel-Pereira como um dos raros romancistas de massas na Literatura Brasileira, leva a cabo o Realismo e escreve de modo visceral, devassando os segredos de alcova, trancados a sete chaves, numa época de puritanismo, saias compridas até o chão e de muitas cobertas. O leitor torna-se, então, um grande voyeur. Da nova geração de cineastas brasileiros, somente Cláudio Assis, diretor de Amarelo Manga, produziria um obra socando tão forte no estômago. Mas o irmão de Arthur Azevedo vai além: põe o dedo nas feridas sociais e, ao mesmo tempo, seduz por meio de uma escrita impecavelmente arrebatadora, a exemplo do trecho descritivo do cenário:

"Sentia-se naquela fermentação sanguínea, naquela gula viçosa de plantas rasteiras ...o prazer animal de existir,... E naquela terra, ...naquela umidade quente e lodosa, começou a minhoca a esfervilhar, a crescer,... uma coisa viva, uma geração que parecia espontânea,... multiplicar-se como larvas no esterco."

Os flagrantes eróticos de O Cortiço certificam a constatação de Otto Maria Carpeaux, de que o aparecimento da literatura no mundo representa uma “expressão total da natureza humana”. O impulso sexual, tão obsessivamente apontado por Freud como a origem de todas as questões de nossa espécie, está presente até mesmo nas atividades que deveriam ter por finalidade a controvertida sublimação: 

“E o Firmo, bêbedo de volúpia, enroscava-se todo ao violão; e o violão e ele gemiam com o mesmo gosto, grunhindo, ganindo, miando, com todas as vozes de bichos sensuais, num desespero de luxúria que penetrava até ao tutano com línguas finíssimas de cobra”

O erotismo em Aluísio Azevedo flui em prosa natural, sem rodeios puritanos, ruborizando o conservadorismo da época, em descrição que permanece contemporânea mesmo após dois séculos. Em tempos atuais, somente poucos se atreveriam a incursionar pela literatura erótica, de modo tão cru, sem abeirar-se da banalização sexual, a exemplo do cubano Juan Pedro Gutiérrez. Basta observar:

“E metia-lhe a língua tesa pela boca e pelas orelhas, e esmagava-lhe os olhos debaixo dos seus beijos lubrificados de espuma, e mordia-lhe o lóbulo dos ombros, e agarrava-lhe convulsivamente o cabelo, como se quisesse arrancá-lo aos punhados"

Gilberto Freyre já dizia que “a maior delícia do brasileiro é conversar safadeza”. A melhor safadeza literária já produzida, nos últimos séculos, continua sendo O Cortiço.






3 comentários:

  1. Aiiiiii... Acabo de ter um gozo de juízo, depois de tantas linhas preliminares, em meio a tanta lubrificação textual. Rs. Bjus

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