sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Um outro reinado


Abomino proselitismos religiosos. Mas a figura de Jesus Cristo, doce e repleta de magnetismo, sempre me intrigou. As metáforas divulgadas, ao longo de mais de dois mil anos, a poesia que desabrocha, visualmente e textualmente, em diversos episódios de sua breve passagem pela Terra são fascinantes.

O Novo Testamento parece escrito por um brilhante roteirista, com a inserção, inclusive, de efeitos especiais. A cena de Jesus caminhando sobre as águas é uma das mais poéticas de todo a narrativa bíblica. Uma imagem que transmite a fluidez e a leveza tão essenciais aos nossos anos de encarceramento no corpo carnal. As frequentes transmutações pelas quais precisamos operar em  nossos enfrentamentos diários, a água em vinho, pedras em pães, a possibilidade de nos libertamos da nossa cegueira voluntária e tantas outras mensagens sob o manto do simbolismo.
De todos os ensinamentos do Cristo, um dos meus preferidos é aquele que teria sido relatado por Marcos: “Pois, que adianta ao homem ganhar o mundo inteiro e perder a sua alma?”. Em uma assertiva que reforça o mesmo conceito ele responde à irônica pergunta de Pilatos sobre se era o rei dos judeus: “Meu reino não é deste mundo. Se o meu reino fosse deste mundo, a minha gente houvera combatido para impedir que eu caísse nas mãos dos judeus; mas, o meu reino ainda não é aqui”.
O nosso reinado mundano é transitório, perecível e com uma data de validade que não conhecemos. O mestre propõe o aviltamento das coisas que, equivocamente, valorizamos em demasia durante a breve passagem pela Terra. Ele nos sugere retirar os excessos da bagagem para que a subida seja mais leve, para que o Caminho Sagrado, que resume a jornada existencial, seja percorrido de modo mais fácil.  

Penso nas nossas mais íntimas obsessões, cultivadas e alimentadas por nós, como se fôssemos viver para sempre ou como se determinados momentos não fossem evaporar-se com o passar dos dias, meses e anos, eternizando-se apenas em nossa memória. Há os que amontoam fortunas, assemelhand0-se aos portadores de transtornos obsessivos que guardam entulhos em casa. Os que ganham o mundo e perdem a ternura vital, asfixiando-se de si memos. E os compulsivos por determinos temas, pessoas ou manias. Jamais conseguiriam "andar" sobre as águas do mar.

Jesus reafirma a ideia de um reinado diferente, na outra dimensão, com outro ensinamento: “Não acumuleis para vós outros tesouros sobre a terra, onde a traça e a ferrugem corroem e onde ladrões escavam e roubam; mas ajuntai para vós outros tesouros no céu, onde traça nem ferrugem corrói, e onde ladrões não escavam, nem roubam; porque, onde está o teu tesouro, aí estará também o teu coração.”

Eis a explícita lição do desapego e da impermanência daquilo que é desnecessário. Quando a inexorável senhora Morte chega, sem hora marcada, joga fora nossos "tesouros", transformando "grandezas" em insignificâncias. 

Os que ardem na fogueira das vaidades são equivocados. Eles esquecem que a festa acaba, às vezes quando menos esperamos. Talvez eu já tenha vivido mais do que a metade dos anos que me foram concedidos aqui nesta dimensão. O suficiente para optar por ser exatamente assim: uma mochileira da existência. Nos embates contra os arrogantes, meu ideal sempre esteve mais próximo da poesia da Mário Quintana; "...ele passarão e eu passarinho"

Nunca almejei a riqueza, o luxo ou ser uma celebridade. Nem luxo, nem lixo, conforme a receita da titia Rita Lee. E fiel ao preceito barthesiano, dos meus preferidos: “Nada de poder, um pouquinho de saber e o máximo possível de sabor”

Pretendo acumular cada vez menos excessos na bagagem, ao som do velho Tim Maia: “não quero dinheiro, quero amor sincero”

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