Faz quase um ano. Recebi um apelo delicado que, aos meus ouvidos corrompidos pelo bafo da maledicência mundana, soou como uma severa advertência. Veio em forma de quase segredo, ditado por uma das minhas maiores referências na condição humana, José Bezerra, meu avô, que no vigor de seus 97 anos, me disse: “Quero lhe fazer um pedido. Não largue a pena!”. Seu Bezerra, em frase machadiana, me pedia para não parar de escrever.
Aos desavisados, a petição parecia equivocada a quem escolheu o heróico e mal pago ofício da escrita que esgrima injustiças sociais, da palavra que fornece voz à realidade da pobreza muda, enfim, de quem optou por aquela que um dia já foi a romântica profissão de jornalista. Embora os últimos anos tenham sido de muitas desilusões amorosas diante daquilo que a jornalista Marilene Felinto chama de “blefe” e “jogo de cartas marcadas”, que é o jornalismo contemporâneo, não havia como ser infiel a toda uma existência rabiscada pela escrita.
Os livros didáticos de papai e mamãe (ambos professores. e de Língua Portuguesa!) ainda estão na estante deles, pichados com meus desenhos e letras infantis, feitos às escondidas, surpreendendo meus pais durante as aulas. Os poemas escritos por mim para o Dia das Mães, aos 7 anos, com rimas insípidas “Teus cabelos cor de ouro, teus olhos cor do mar, de tanto eu te amar” - também denunciavam o destino traçado para a devoção à escrita. Aos 11 anos, meus cadernos do Colégio Batista eram preenchidos por frases de temas que em nada dialogavam com as disciplinas ministradas em sala de aula. As colegas mais velhas, alunas do meu pai, estranhavam a minha excentricidade, relatada em textos como: “Vermes passeiam em minhas circunvoluções cerebrais”.
Quando fiz o Teste Psicotécnico do Detran, aos 18 anos, resolveram pedir uma redação com o tema Quem Sou Eu. Não deu outra: todos foram liberados, após alguns minutos, mas o psicólogo pediu que ficasse apenas eu para conversar com ele. Nenhum distúrbio psíquico. Apenas a minha afeição pelas palavras, no auge da empolgação juvenil, impulsionando-me a escrever um pouco mais do que os outros e provocando a curiosidade do profissional.
Nostalgias à parte, com a necessária redução da taxa de glicose neste post, eis me aqui, escrevendo. A produção espontânea, não remunerada, escrita para mim mesma ao longo dos anos e agora exibida sem pudor literário na possibilidade de um Blog, escasseia em alguns períodos, mas jamais cessa.
Clarice Lispector dizia que “escrever implicar em desnudar-se”, um exercício de autoconhecimento, um derramar dos vestígios si mesmo no confessionário sagrado de cada texto.
A escrita nasce impregnada daquilo que se absorve com os olhos, com o nariz, com os ouvidos, ferramentas do invólucro carnal que se conectam à alma escrevente. Escreve-se com a matéria-prima do viver cotidiano, com a substância extraída de livros, filmes, músicas, conversas, pessoas e dos episódios. Escrever é um necessário hábito solitário. Já devo ter perdido bons textos em muitos momentos de absoluta imbecilidade social, de frivolidades festivas.
Escrever é vital porque, conforme um dos poetas da minha devoção, Carlos Drummond de Andrade, “vivemos entre palavras e palavras somos”.
Obrigada, meu amado vovô Bezerra, talvez eu jamais consiga conter essa multidão de palavras dentro de mim, pedindo para sair. Que assim seja!
Obrigada, meu amado vovô Bezerra, talvez eu jamais consiga conter essa multidão de palavras dentro de mim, pedindo para sair. Que assim seja!
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