segunda-feira, 19 de setembro de 2011

A muda (que) dança


Mais uma drágea, da minha Farmácia de Frases, a repor insumos vitais, produzida no laboratório do escritor Mário de Andrade: “O passado é lição para ser refletida e não reproduzida”. O saudosismo não é emoção que se ajuste bem em mim, é quase uma roupa mal ajambrada. O hábito de teclar o F-5, promover freqüentes up-grades é recurso que exorciza fantasmas, liberta correntes enferrujadas, arrastadas pelo chão, mas permite digressões abertas a um diálogo com as vozes interiores. Oscilo entre a algazarra de uma Babel de flávias e a regência de um côro que se pretende virtuoso. Promovida a conciliação entre passado e presente, prossigo na escrita com cheiro de naftalina e néctar.  
Na infância, acalentava o excêntrico sonho de ser hippie, enquanto as coleguinhas planejavam seguir a carreira de médicas ou dentistas. Uma delas, muito querida até hoje, profetizava: “Aparece lá em meu consultório e leva uns brinquinhos para me vender”. Fiel ao surrado pedra que não rola, não cria limo, aos 8 anos de idade, fugi de casa levando, obviamente, uma mochila cheia de brinquedos para enfrentar a seriedade que a minha atitude exigia.
No fundo, no fundo, aquele precoce ardor interior ansiava pelo mistério das emoções desconhecidas, pelo bafo assustador soprado pela noite, frequentada por discos voadores e outras temas nervosos exibidos pelo Fantástico, das décadas de 70/80. Rapazes da bolha de plástico, homens do fundo do mar, feiticeiras faceiras e gênias saindo de dentro de garrafas habitavam os meus dias. A fantasia era a mocinha que sempre triunfava sobre a vilã realidade. O quintal da minha casa era feito de terra onde mamoeiros e jabutis conviviam na plena harmonia de um lar. Cavar o chão à procura de tesouros imagináveis consistia na minha alegria de buscadora principiante.     
As buscas da existência persistem até os dias de hoje. A realidade aprendeu a pisar nas flores de plástico das ilusões. E as fantasias, a imaginação fértil foram convertidas em matéria-prima da criação que impulsiona o ofício, dá sabor ao pão nosso de cada dia. Olhando, de soslaio, para trás, é possível enxergar um modo cigano de ter vivido os últimos generosos anos que foram proporcionados pela Divindade. Certas situações me fizeram hippie, mutante, perambulando em um comportamento que insiste em brigar com maturidade pedindo porto seguro. O amanhecer, o nascer de novo, o papel branco, imaculado que engraVIDA de palavras são parte de um jeito de refazer-me sempre.  

Agora, estou diante de caixas com vestígios de uma vida inteira, quiçá pela metade. Muda. Na Dança. Da Vida.


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