quarta-feira, 26 de junho de 2013

Brasil e a mídia desmedida



Desde o meu eufórico ingresso no curso de Jornalismo, em 1987, jamais pensei em assistir a cenas tão reveladoras do poderio de uma mobilização articulada fora dos grandes conglomerados de mídia. A constatação parece óbvia e já chega caduca, numa época em que a informação possui um tempo de sobrevida menor que o de uma muriçoca. A cada segundo, surgem bilhões de novos posts, links e atualizações, em mutações infinitas.

Para quem mergulhou nos primeiros estudos sobre o assunto, a denominação “Comunicação Alternativa” parecia um termo meio woodstockiano, meio hippie. E fazia referência às possíveis brechas ou formas alternativas de comunicação no embate diante da opressão midiática promovida pela Ditadura Militar, que usava ostensivamente os veículos para propagar seus ideais e a tal Integração Nacional. Hoje, quem diria, qualquer cidadão pode reclamar, bradar, protestar, defender, enfim, comunicar sem a necessidade daqueles que eram chamados, nos velhos anos 70, de meios de comunicação de massa. Na macarronada da Internet, todos somos os protagonistas dos nossos próprios conteúdos, acrescidos do milagre da multiplicação dos compartilhamentos. 

O modelo vertical e rígido da Escola de Frankfurt tropeçou durante a marcha evolutiva da humanidade. Nos promissores dias atuais, vivemos as possibilidades oferecidas em plena era da horizontalização da comunicação. Não há mais, portanto, os meios de comunicação para as massas. As cenas da maior manifestação popular da história recente do Brasil evidenciam as massas exercendo seu amplo poder de comunicação. Os grandes latifúndios da informação rendem-se diante dos pequenos proprietários da informação. A pauta é do povo!

Há controvérsias em torno do tema. O debate exige a observação de outros ângulos, inclusive dos aspectos que vão além do deslumbramento com as conexões dos internautas. No entanto, com a posse deste meu pequeno lote de comunicação, permito-me exibir todo o entusiasmo diante do que nunca imaginei presenciar. Ver o “bom moço” William Bonner, emburrado, cobrindo em Fortaleza, o jogo no Brasil, na Copa das Confederações, quando os holofotes do País estavam voltados para a multidão nas ruas provocou-me um risinho de satisfação. A mudança radical no 'espelho' do Jornal Nacional, em um esforçado contorcionismo editorial, por uma cobertura imparcial, em meio aos protestos de FORA GLOBO, foi outra inusitada paisagem aos olhos atentos de quem estuda a comunicação. Aos que ainda refutam tais argumentos, a derrota da PEC 37 foi também uma vitória da opinião pública, durante tanto tempo tida como apenas uma opinião publicada pela mídia. Senão, o que fariam os senhores deputados, nem sempre bem intencionados, votarem, de maneira tão avassaladora, contra a Proposta de Emenda Constitucional?

Os chamados “Padrão Global” ou “Padrão Fifa” diluíram-se em meio à indignação popular por um modelo universal de qualidade de vida e de democratização do acesso à informação. A constatação é elementar, meus caros: não há democracia sem comunicação livre. Nenhuma nação do mundo consegue efetivar o princípio da igualdade em dignidade e direitos, sem a fiscalização do cumprimento das normas constitucionais, sem as denúncias feitas pelos meios de comunicação e pela capilaridade da informação que agora escoa pelas redes sociais. A mais forte manifestação nas ruas do País transcendeu as bandeiras e banners defendidos no ambiente virtual e ganhou as ruas. E o melhor dos meus marginais preferidos, César Teixeira, já havia profetizado: “Com as bandeiras nas ruas, ninguém pode nos calar”








quinta-feira, 20 de junho de 2013

Pelo direito à vida


terça-feira, 18 de junho de 2013

Ordem e Protesto


sexta-feira, 7 de junho de 2013

Aluísio Azevedo sem pudor



Há 100 anos, o escritor maranhense, Aluísio Azevedo, encerrava o último capítulo de sua vida carnal. A efeméride deixa brechas para outros olhares sobre a obra O Cortiço, fundamental para a compreensão do Brasil na virada do século XIX. Aluísio chuta o balde do lirismo presente no Romantismo, de então, e exibe, despudoradamente, seu Naturalismo/Realismo, sem cortes. 

O livro, que eriçou os sonhos eróticos da puberdade de muitas gerações de estudantes brasileiros, permanece teso na Literatura Brasileira como o precursor das nossas melhores narrativas sexuais. Diante dele, os recentes bests sellers da trilogia 50 Tons (de Cinza, mais Escuros e de Liberdade), de E.L. James, tornam-se um amontoado de clichês e baboseiras ridículas - iguais à maioria dos produtos de sensacionalismo sexual das prateleiras da modernidade. 
   
O Cortiço deixa à mostra certas permissividades tão à vontade na frenética miscigenação cultural do país. Quem se escandaliza diante da descrição de cenas tórridas protagonizadas por Rita Baiana ou diante do lesbianismo neófito de Pombinha, talvez não conheça as partes íntimas da história dos Trópicos dos Pecados, denominação do melhor estudo sobre o tema, feito pelo pesquisador e professor de História da Universidade Federal Fluminense, Ronaldo Vainfas. A institucionalização da safadeza nacional teria começado a partir da própria origem do nome “Brasil”, não apenas por causa do pau mais famoso do país, mas também por obra do diabo que teria vindo morar aqui na América do Sul, viajando nos porões dos navios ibéricos. O padre Manoel da Nóbrega, um dos primeiros jesuítas a aportar aqui, julgava ser a colônia portuguesa quase uma “Sodoma” de pecadores, adúlteros, incestuosos, maníacos e tarados de toda espécie.


Aluísio, considerado pela pesquisadora Lúcia Miguel-Pereira como um dos raros romancistas de massas na Literatura Brasileira, leva a cabo o Realismo e escreve de modo visceral, devassando os segredos de alcova, trancados a sete chaves, numa época de puritanismo, saias compridas até o chão e de muitas cobertas. O leitor torna-se, então, um grande voyeur. Da nova geração de cineastas brasileiros, somente Cláudio Assis, diretor de Amarelo Manga, produziria um obra socando tão forte no estômago. Mas o irmão de Arthur Azevedo vai além: põe o dedo nas feridas sociais e, ao mesmo tempo, seduz por meio de uma escrita impecavelmente arrebatadora, a exemplo do trecho descritivo do cenário:

"Sentia-se naquela fermentação sanguínea, naquela gula viçosa de plantas rasteiras ...o prazer animal de existir,... E naquela terra, ...naquela umidade quente e lodosa, começou a minhoca a esfervilhar, a crescer,... uma coisa viva, uma geração que parecia espontânea,... multiplicar-se como larvas no esterco."

Os flagrantes eróticos de O Cortiço certificam a constatação de Otto Maria Carpeaux, de que o aparecimento da literatura no mundo representa uma “expressão total da natureza humana”. O impulso sexual, tão obsessivamente apontado por Freud como a origem de todas as questões de nossa espécie, está presente até mesmo nas atividades que deveriam ter por finalidade a controvertida sublimação: 

“E o Firmo, bêbedo de volúpia, enroscava-se todo ao violão; e o violão e ele gemiam com o mesmo gosto, grunhindo, ganindo, miando, com todas as vozes de bichos sensuais, num desespero de luxúria que penetrava até ao tutano com línguas finíssimas de cobra”

O erotismo em Aluísio Azevedo flui em prosa natural, sem rodeios puritanos, ruborizando o conservadorismo da época, em descrição que permanece contemporânea mesmo após dois séculos. Em tempos atuais, somente poucos se atreveriam a incursionar pela literatura erótica, de modo tão cru, sem abeirar-se da banalização sexual, a exemplo do cubano Juan Pedro Gutiérrez. Basta observar:

“E metia-lhe a língua tesa pela boca e pelas orelhas, e esmagava-lhe os olhos debaixo dos seus beijos lubrificados de espuma, e mordia-lhe o lóbulo dos ombros, e agarrava-lhe convulsivamente o cabelo, como se quisesse arrancá-lo aos punhados"

Gilberto Freyre já dizia que “a maior delícia do brasileiro é conversar safadeza”. A melhor safadeza literária já produzida, nos últimos séculos, continua sendo O Cortiço.