domingo, 24 de março de 2013

O papa, o papo e a midiabólica




Cotado como um dos favoritos para suceder Bento XVI, o cardeal brasileiro dom Odilo Scherer teve suas chances diminuídas, segundo o jornal italiano La Repubblica, após um discurso em que defendeu as finanças da Cúria Romana e elogiou a gestão do Banco do Vaticano, alvo de denúncias de lavagem de dinheiro e por, supostamente, servir de “paraíso fiscal” para transações ilegais. Logo após a eleição do cardeal argentino Jorge Mario Bergoglio, a Imprensa especializada comenta que será cobrada maior transparência ao agora papa Francisco sobre os escândalos financeiros envolvendo a principal instituição financeira da Igreja Católica.

A mídia, que em tempos passados limitava seu alcance às coberturas e transmissões da Missa do Galo ou na ocasião do atentado, em 1981, ao papa João Paulo II, definitivamente, alargou seu poderio e invadiu territórios antes tidos como sagrados e invioláveis. Da Idade das Trevas ao Iluminismo, chega-se ao escancarado Midiatismo. As especulações em torno da riqueza da Igreja e do gerenciamento duvidoso dos recursos oriundos de atividades das mesmas mãos que abençoam poderiam parecer mais uma artimanha de Satanás, se não fossem apenas um reflexo dos tempos de onipresença da Comunicação e de seus tentáculos midiáticos.

Sem dúvida, não há política sem discurso. Mas a secular arte da retórica na moderna arena eleitoral ganha proporções fenomenais na Era da Informação, quando as sociedades midiatizadas e midiáticas convertem, com a velocidade de um raio, fatos em versões, acontecimentos em opinião pública e pontos de vista em sentenças. Roland Barthes, em O Rumor da Língua, teorizou que “a palavra falada é irreversível, tal é a sua fatalidade”.

Aqui no Maranhão, onde o maior orador sacro da língua portuguesa, o padre Antônio Vieira, realizou algumas de suas pregações, os rumores já antecipam o tempo verbal das Eleições de 2014. Enquanto um dos pré-candidatos à cobiçada cadeira do Palácio dos Leões provoca um estrondo, ao falar em fraude na eleição passada, o outro critica a “mudança só de gogó”. Até outubro de 2014, cada frase será reverberada em milhares de compartilhamentos, amplificada à elevada potência da Opinião Pública e transformada em dardo a ser cravado no alvo das urnas ou nas costas de quem atirou a primeira palavra.  No calor dos palanques ou no mormaço das reuniões políticas, os mais afoitos cometerão o pecado anunciado pelas escrituras cristãs: “o mal é o que sai da boca do homem”. Mas como se comportar bem à mesa, no afã de digerir corretamente o banquete de governar?
Bourdieu considera que a condição permanente da dominação é a reconversão permanente do capital econômico em capital simbólico. O diretor do Centro de Análise de Discurso, professor da Universidade de Paris-Nord, Patrick Charaudeau, na obra Discurso Político, também destaca o enfrentamento de força simbólica “para a conquista e gestão de um poder”. E, ao mencionar que o sujeito político deve “se mostrar crível e persuadir o maior número de indivíduos” também considera a necessidade de se “fazer prova da persuasão para desempenhar este duplo papel de representante e de fiador de bem-estar social”.  
Mais do que em qualquer época da humanidade, a atualidade coloca a mídia como o lugar estratégico da produção de opinião e, como tal, sujeita a julgamentos, distorções e manipulações de toda a espécie. Acrescentam-se a isso, os estudos de recepção, quando os fenômenos da Comunicação deixam de ser analisados de modo mecanicista e funcionalista. Ou seja, cada mensagem jamais será aceita passivamente pelo receptor, sendo interpretada e decodificada, segundo a experiência individual e cultural de cada um.
Deixando as teorias de lado, foi-se o tempo em que envernizar belas frases e dourar a pílula eram suficientes para encantar o eleitorado ou atingir os resultados esperados. Comunicar exige estudo permanente, a elaboração de estratégias e a dedicação de bons profissionais. Advogar e exercer a Medicina também não? Senhores, consultem especialistas e evitem os efeitos indesejados!
 

segunda-feira, 11 de março de 2013

Grosseria Epidêmica

 “Deixai toda esperança, ó vós que entrais”, vaticinou Dante Alighiere à porta do Inferno, no clássico A Divina Comédia. A frase parece sob medida para ser afixada na entrada da dita modernidade em sociedade. A notícia sobre o estudante de Psicologia, Alex Siwek, que atropelou ontem (10/03) um ciclista na Avenida Paulista (SP) e, além de não prestar socorro, jogou o braço do jovem no rio, é mais um exemplo de como o caos urbano pode ser elevado ao nível do grotesco.
Diante dos tiranos sociais, em circunstâncias degradantes de uma vida civilizada, o desencanto e a desesperança disputam espaço com o sentimento de indignação que ainda resiste nos poucos e bons. Quais seriam as razões psicológicas, culturais, sexuais e neuroses outras que levam boçais a furarem uma fila, quando você está aguardando há duas horas para ser atendido? Ou quando é obrigado a purgar sua impaciência, esperando 40 minutos o cara de pau que trancou seu carro no estacionamento?
A noção de bom senso parece ter sido esmagada pela urbanização acelerada, pelos problemas da mobilidade urbana e pelos ditames da era da competitividade e de seus valores distorcidos. O mundo foi assolado pela grosseria epidêmica, infestada como uma praga no convívio social. Os Hitlers domésticos já não se ruborizam em fazer suas demonstrações públicas de arrogância e autoritarismo, desrespeitando os direitos de portadores de necessidades especiais, idosos, atropelando até as mais elementares regras da boa convivência. Eles expelem sua bílis e vomitam suas frustrações, ambições e recalques no trânsito, no ambiente de trabalho e nas mais diferentes ocasiões. Gentileza em quem ocupa um cargo de poder é quase um artigo de luxo aqui por estas bandas. Em São Luís, chega-se ao cúmulo de considerar os mais educados assim: “Esse deve ser gente de fora”. E ai do homem que se atreve a ser gentil e atencioso, pois, via de regra, é confundido com gay (pelo menos neste quesito os inquisidores do século XXI reconhecem). No outro extremo estão os machos que, ao serem ultrapassados no trânsito, agem como se tivessem roubado sua virilidade. São brucutus escondidos por debaixo dos ternos Armanis. E moças de uma vulgaridade que nem uma coleção de sapatos Fernando Pires consegue disfarçar a deselegância.  
Ouso especular sobre as origens da péssima educação dos que exibem seus maus hábitos no trânsito, nas filas ou em outros episódios de total falta de respeito com as regras do convívio em sociedade. Sérgio Buarque de Holanda, em O Homem Cordial, descreve: “O Estado não é uma ampliação do círculo familiar e, ainda menos, uma integração de certos agrupamentos, de certas vontades particularistas”. A velha e feia mania de confundir o público com o privado, já tão largamente adotada no exercício das práticas públicas, alcançou a ampla esfera social. As leis e o conjunto de normas e condutas que consistem o Direito existem para regular as relações sociais. Não são as vontades particulares de cada um que devem prevalecer. Se não é possível educar os maus hábitos, que eles se mantenham restritos ao círculo familiar, onde as regras que prevalecem são as de casa.
Os problemas que atingem o mundo de 7 bilhões e meio de pessoas também passam, urgentemente, pela boa educação e pelos respeito aos direitos de cada um.