sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Bandeira


POÉTICA

Estou farto do lirismo comedido
Do lirismo bem comportado
Do lirismo funcionário público com livro de ponto espediente protocolo e manifestações de apreço ao sr. diretor.

Estou farto do lirismo que pára e vai averiguar no dicionário o cunho vernáculo de um vocábulo.

Abaixo os puristas.
Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais
Todas as construções sobretudo as sintaxes de exceção
Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis

Estou farto do lirismo namorador
Político
Raquítico
Sifilítico
De todo lirismo que capitula ao que quer que seja fora de si mesmo.

De resto não é lirismo
Será contabilidade tabela de co-senos secretário do amante exemplar com cem modelos de cartas e as diferentes maneiras de agradar &agraves mulheres, etc.

Quero antes o lirismo dos loucos
O lirismo dos bêbados
O lirismo difícil e pungente dos bêbados
O lirismo dos clowns de Shakespeare.

- Não quero saber do lirismo que não é libertação.
 

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

Pílulas contra o tédio

Como Sísifo, carregamos o peso de nossas obsessões durante anos, voltando sempre à estaca zero. Justo ele, considerado o mais arguto dos mortais na Mitologia, condenado por desafiar a ira dos deuses. O castigo recebido por Sísifo foi executar um trabalho rotineiro e cansativo, demonstrando que os mortais não têm a liberdade dos deuses. Os mortais não têm escolha, limitando-se aos afazeres da vida cotidiana, em sua repetição e monotonia.
A monotonia da rotina sempre foi o pior dos tormentos para os que sobrevivem do novo, os que se alimentam do surgimento, do desabrochar, da criação, os que saciam seus desejos no imaculado papel que engravida de poesia, de contos, de textos e pretextos. A nua tela do computador sem pudor, em suas ofertas, sempre pronta a ser preenchida, ferida, comprimida. Não pode haver tortura maior do que a esterilidade da rotina do dia-a-dia, a ferrugem nas engrenagens de cada atividade, o olhar inerte, sem brilho que não se atém aos detalhes sagrados de cada coisa da Existência ou a deficiência de entusiasmo que condena nosso estágio terreno de aprendizados a uma pena, aumentando o peso dos anos, carregados por nós. O risco é se transformar numa outra versão de Sísifo - não aquele que jamais termina sua missão - mas o insaciável, que precisa sempre de mais, que tem sede no novo, do porvir, do parto das possibilidades, da “flor que furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio”, conforme anunciou o poeta Drummond.
Ser mortal é ser condenado a morrer diante da Vida, a cegar-se, voluntariamente, para as belezas dos dias tão professores. É melhor ser eterno, já foi dito.  E a impermanência é uma imperatriz.