quinta-feira, 30 de junho de 2011

Ao Sabor dos Ventos



O espetáculo da revoada das garças, em coreografia perfeita – a pincelar o campo da visão de uma alvura celestial – foi uma cena que me provocou rara e recente emoção. Em tempos de desencanto diante do persistente abandono do Maranhão que, a cada ano, se parece mais com aquela velha caveira de burro encravada na terra, um passeio de barco pelo litoral banhado pelas águas da praia da Raposa é um lenitivo a restabelecer o necessário entusiasmo de viver aqui, neste ponto do mapa do Brasil.




A experiência de ecoturismo, das mais simplórias e baratas, acaba se convertendo naquilo que considero um luxo:
1 - Parada para mergulhar nas águas límpidas que beijam um dos mais ricos ecossistemas do planeta, os manguezais;
2 - Saborear ostras extraídas do cultivo em cativeiro (a tal “fazenda das ostras”) pela irrisória quantia de 5 reais a dúzia, acompanhadas da possibilidade de levar champagne ou outras bebidas, a gosto dos passageiros;
3 - Deliciar-se, em pleno passeio de barco, com o peixe preparado pela tripulação, que inclui no pacote a chegada 1 hora antes da partida para a escolha do pescado no mercado da Raposa;
4 – Extasiar-se, diante do deslumbrante pôr-do-sol oferecido pelo mês de junho, apreciado a bordo de uma singela embarcação feita pelas mãos dos artesãos.

Um passeio destes lembra o conceito de subjetividade colocado naquele comercial de cartão de crédito: não tem preço. Em certos trechos da viagem surgem pequenos lençóis, apelidados carinhosamente de “fronhas” por Sávio. Explico: Sávio é um rapazinho que integra a tripulação e conta detalhes sobre a fauna e a flora da região, com uma empolgação que me comove. Penso nas palafitas que dão boas-vindas ao minúsculo município da Raposa, à deriva das políticas públicas necessárias ao desenvolvimento local. Sávio, se tivesse nascido em outro estado brasileiro seria, em alguns anos, um apaixonado biólogo ou um excelente engenheiro florestal. Torço para que os sonhos dele não envelheçam. Dos meus 8 anos de idade, quando conheci a Raposa, acompanhada da minha mãe que integrava, junto com o professor Ramiro Azevedo, um grupo de pesquisas sobre a antropolinguística daquela pequena comunidade de pescadores, pouca coisa mudou por lá.
A imagem do balé das garças, o azul forte do céu em contraste com brancura das aves, o cheiro de maré e o ardor do sol na pele ainda me sussurram: é preciso jamais deixar de reverenciar a vida.

Agradecimentos especiais a Eduardo, da Carimã Turismo, que gentilmente “fechou” o barco para o grupo, atendendo às exigências “exóticas” da Expedição chefiada pelo comandante Laplace e pelo coronel Andrade!


Para Gi e Suzy, que passam agora a integrar a lista dos melhores motivos para visitar São Paulo.

segunda-feira, 27 de junho de 2011

Cinema e Psicanálise

terça-feira, 21 de junho de 2011

Intervalo Quântico

domingo, 19 de junho de 2011

Monstros e Bichos Escrotos


À frente alguns quilômetros de distância da estética-chiclete dos anos 80, Arnaldo Antunes, Nando Reis e Sérgio Reis compuseram:
A gente não quer só comida
A gente quer comida
Diversão e arte
...A gente quer inteiro
E não pela metade...”
Iconoclastas, modernistas, os Titãs teceram letra seca para mencionar a farta complexividade que provoca nossa insaciável fome de ser. Somos tal qual a precisa definição de Leonardo Boff: “um projeto infinito”. Desde que as buscas não resultem em neuroses com obesidades mórbidas, não existe expressão mais legítima da nossa humanidade do que a procura. Às sucessivas buscas deve-se o estágio onde chegou o planeta. No afã dos que querem sempre mais do que o feijão-com-arroz cotidiano e dos que desejam muito além de comida, conforme o verso mutilfacetado dos compositores, não cabem migalhas. Ninguém, em pleno gozo de sua saúde emocional, quer ser 50% amado - embora toda a imprecisão sentimental, que não se adequa a medidas e percentuais.
Na perspetiva epistemológica da complexidade, tendo como um de seus representantes o francês Edgar Morin, um dos maiores intelectuais da atualidade no mundo, a soma das parte é ainda maior do que o todo. Ser inteiro, integral é não incorrer no equívoco da fragmentação, da fratura em pequenas partes de nossa subjetividade. A inteireza fornece um sentido mais amplo às necessidades miúdas, mostra que as partes amputadas resultam em dissociações de variadas espécies.
Franksteins e monstros que habitam o imaginário popular sempre desempenham papéis aterrorizantes, com a finalidade de amedrontar e perseguir. Aos nos fragmentarmos, somos inevitavelmente perseguidos pela mula-sem-cabeça de nossos atos ou atormentados, com frequência pelos lobisomens de nossas contradições, sob a maldição da mutação eterna. Na Mitologia Grega, por exemplos, mostros como a Quimera, com cabeça e corpo de leão, além de duas cabeças anexas (uma de cabra e outra de serpente) geralmente resultavam da união entre metades diferentes. No caso da Quimera, cujo termo é associado literariamente aos devaneios e ilusões, o monstro tinha a sugestiva forma de metade mulher, metade serpente.

Licença de uso dos simbolismos à parte, ninguém se torna monstro ao fragmentar-se, eventualmente. Dilemas shakespeareanos do tipo to be or not to be: that’s the question integram a lista das sinuosidades próprias da alma feminina. Porém, como certos medicamentos, o uso prolongado pode provocar danos irreversíveis. “A gente quer inteiro e não pela metade”. E, para isso, de vez em quando é necessária uma assepsia geral dentro de si, ao som de outro refrão de Arnaldo, o Antunes: “Bichos escrotos saiam dos esgotos!”

quinta-feira, 16 de junho de 2011

Obrigada, Meu Bom Deus!

quinta-feira, 9 de junho de 2011

Pão Francês no Menu

quarta-feira, 8 de junho de 2011

Lógica do Vento

terça-feira, 7 de junho de 2011

A safadeza do Dia dos Namorados

 “...E eu então, minha górgone, minha gárgula de Notre Dame, e eu, minha sintaxe de Deus? Você fala como falam os balões de junho de Portinari, as jóias da coroa do reino de Samarcanda, você, meu imperativo categórico, você, minha espada maçônica, você me mata! Tuas paisagens, teu subsolo infernal, teus labirintos são superiores em felicidade a qualquer declaração dos direitos do homem! A primeira vez que eu vi você naquele bar do crepúsculo eu senti que as pirâmides e as cataratas não valiam a tua unha do dedo mindinho!
O recorte acima, pinçado da crônica A estranha (e eficiente) linguagem dos namorados, do poeta Drummond, segundo ele mesmo seria uma “introdução (devagar com isso, rapaz!) de um projeto não-comercial de comemoração do Dia dos Namorados”. Oportuno voltar ao delicioso texto diante dos insistentes apelos publicitários nesta que dizem ser a segunda data comercial mais lucrativa do ano.
A própria Imprensa parece manter um escancarado caso de amor com a Propaganda, exibindo matérias do tipo O que dar (!) para o namorado (a) e pautinhas assim. Ora, nos tais “Cadernos Especiais”, os jornais servem à propaganda como uma boa prostituta, iguais à impagável (se é que se pode usar o termo neste ramo de negócios) cena de Débora Secco, no fllme Bruna Surfistinha: “hoje eu não vou dar, eu vou distribuir!”.
O tal 12 de junho é tão falso quanto as cantadas de qualquer conquistador barato. Ainda que gastemos os tubo$ com um presente m-a-r-a-v-i-l-h-o-s-o, um jantarzinho dos deuses e todo o kit que acompanha a fatura de qualquer relacionamento! A data foi forjada no Brasil, em 1949, pelos magazines Mappin e Clipper. Isso mesmo, Mappin, aquela loja de departamentos que faliu após um golpe praticado pelo empresário Ricardo Mansur, denunciado pela Procuradoria da República por violação à Lei 7492/86, a não menos famosa Lei do Colarinho Branco. Um típico caso de batom na cueca: indefensável. O empresário, por sinal, é pai do Rico Mansur, um pegador de primeira, já que o tema em questão permite tais digressões.
O truque da criação do Dia dos Namorados incluía o então publicitário João Dória, que estimulava os casais a trocarem de presentes às vésperas do Dia de Santo Antônio (13 de junho), santo casamenteiro. Há quem diga que Antônio ganhou fama de “casamenteiro” ao dar uma força às moças, emprestando dinheiro às que necessitam de dotes para casar.
Como se vê, de um jeito ou de outro, a grana aparece em meio às querelas de quem “gama”, como se dizia no tempo de papai. Entre outdoors obviamente exibicionistas, panfletos com ofertas variadas, promoções leve dois para jantar (e pague por três), no afã de seduzir os mal-amados ou os com auto-estima equivocada, deixo-me conquistar pelo poeta maior, autor de A Paixão Medida e Amar se Aprende Amando:
“O amor é inventivo porque anula os postulados da lógica. Os amantes se entendem sob o signo do absurdo” (Drummod)





segunda-feira, 6 de junho de 2011

Miopia: Ponto de Vista


Anedota Búlgara

"Era uma vez um czar naturalista
que caçava homens.
Quando lhe disseram que também caçam borboletas e andorinhas,
ficou muito espantado
e achou uma barbaridade."

Carlos Drummond de Andrade

quinta-feira, 2 de junho de 2011

No escuro dos nossos cinemas


Certas cenas do cinema se bastam. E empalidecem sob o efeito discursivo, sufocadas sob as grades de interpretações e leituras. Mais ainda, se forem acrescentadas de uma narrativa visual, que surge refinada pela hipnótica trilha sonora de Milles Davis. Refiro-me à cena postada abaixo, do filme Ascensor para o Cadafalso (Ascenseur pour l'échafaud ), de Louis Malle, uma pequena obra-prima da nouvelle vague francesa. 

Não resisto ao apelo das palavras e ouso prosseguir arriscando-me a destruir a estética auto-explicativa. A diva Jeanne Moreau percorre os locais da cidade, com expressão, captada pela genialidade de Malle, de uma melancolia angustiante. Caminha carregando consigo uma pungência alastradora, em adequado ambiente noturno, ao som inigualável de Davis. Quem experimentar assistir à cena sem áudio, verá que metade dos efeitos e sensações provocadas se perde.

O filme conta a história de Florence Carala, casada, mas apaixonada por outro homem, o amante Julien Tavernier. Ambos plajenam matar o marido de Florence, quando Tavernier decide buscar uma corda no terraço e fica preso uma noite inteira no elevador (o "ascensor" do título). 

A engenhosidade do roteiro emerge considerações sobre os costumeiros encontros e desencontros amorosos. A cena, citada no início do texto, é exatamente quando a personagem procura, em vão, por seu amante, que está apenas preso no elevador.


Grandes amores desfeitos por grandes enganos já preencheram páginas e páginas da mais diversificada literatura e muitos quilômetros de películas cinematográficas. A começar do shakespeareano Romeu & Julieta, que seria, para muitos, ícone da impossibilidade amorosa, mas reproduz um enorme equívoco. Romeu bebe o veneno e morre ao lado da sua amada,  adormecida. Momentos depois, Julieta acorda e vê a seu lado, o corpo morto de Romeu. O Frei entra e conta a Julieta o que se passou. Desesperada (e precipitada), Julieta pega no punhal de Romeu e se mata, sem mais motivos para viver.
A sutileza do gênio, em seu primeiro longa-metragem, talvez escondesse outras acepções. O ”cadafalso”, do título, significa aquilo que já se sabe: tablado erguido em lugar público onde eram expostos ou executados os condenados à forca. No filme de Louis Malle, o amante está preso, impossibilitado de ir adiante. Como certas prisões as quais, voluntariamente, nos recolhemos.




quarta-feira, 1 de junho de 2011

MILES DAVIS & JEANNE MOREAU